sábado, 30 de agosto de 2014

Em barco, milionários procuram imigrantes no Mediterrâneo

Sensibilizado por número de mortes, casal filantropo decidiu ajudar embarcações que tentam chegar à Europa pelo Mediterrâneo.

BBC

Casal investiu recursos próprios em barco que fica baseado em Malta (Foto: BBC)Casal investiu recursos próprios em barco que fica baseado em Malta (Foto: BBC)
Um casal de milionários italianos lançou o que disse ser o primeiro barco privado para ajudar imigrantes com problemas no mar Mediterrâneo.
Durante o verão passado, a italiana Regina Catrambone e seu marido americano Chris estavam a bordo de um iate no Mediterrâneo - mas a cena idílica foi interrompida quando viram algo estranho no mar.

Eles perguntaram ao capitão como aquilo foi parar ali. "Sua expressão ficou sombria e ele disse que a pessoa que usava o casaco provavelmente não estava mais entre nós. Isso chamou a nossa atenção."
"Meu marido e eu estávamos no deck quando vimos um casaco flutuando na água como um fantasma", disse Regina à BBC.
Eles perceberam que a roupa provavelmente pertencia a um dos milhares de imigrantes que tentam cruzar o Mediterrâneo para chegar à Europa - cerca de 1.900 pessoas morreram nestas águas desde o início do ano, 1.600 delas desde o início de junho, de acordo com a Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).
A decisão definitiva foi tomada pelo casal quando eles viram o papa Francisco na televisão pedindo a empreendedores que ajudassem os necessitados.
"Eu e meu marido nos olhamos e dissemos: 'vamos fazer alguma coisa'. A partir daí tivemos a ideia de comprar um barco e fazer algo no Mediterrâneo, onde pessoas estão morrendo todos os dias."
Casal com sua filha, Maria Luisa: projeto ajuda imigrantes que tentam chegar à Europa de barco (Foto: BBC)Casal com sua filha, Maria Luisa: projeto ajuda imigrantes que tentam chegar à Europa de barco (Foto: BBC)
Em outubro de 2013, quando os Catrambones souberam que mais de 360 imigrantes se afogaram perto da ilha italiana de Lampedusa, eles decidiram transformar os planos em ações.
Desde então, o casal investiu recursos próprios em um barco, o Phoenix, que fica baseado em Malta, onde eles vivem. Ele tem barcos salva-vidas e dois drones sofisticados usados para encontrar e ajudar imigrantes que tentam entrar na Europa de barco, vindos principalmente da África.
A operação recebeu o nome de Estação Oceânica de Ajuda a Migrantes (Moas, na sigla em inglês)
Bênção católica
Ao invés da pancada de uma garrafa de espumante em seu casco, no entanto, o Phoenix foi inaugurado com gotas de água benta.
Durante uma missa católica, realizada dentro do navio um dia antes de sua primeira patrulha, um padre disse à tripulação que eles estavam em uma missão de Deus.
Ele entregou a cada um uma pequena garrafa de água benta do santuário de Lourdes e um crucifixo dourado para ser colocado no navio.
O convés do barco foi especialmente customizado para abrigar os pequenos drones que capturam imagens em alta definição, têm visão noturna e câmeras infravermelhas.
Segundo Chris, o equipamento consegue até ler, em pleno ar, um pedaço de papel na mão de uma pessoa.
"Estamos fazendo história de muitas maneiras ao sermos o primeiro barco civil a usar uma tecnologia tão grandiosa. Estamos tentando fazer algo que ninguém mais conseguiu fazer. Transformamos nossas palavras em prática", diz Chris Catrambone.
Quando o Phoenix encontrar uma embarcação migrante em águas internacionais, a tripulação entrará em contato com as autoridades mais próximas. "Comunicaremos a posição do barco em apuros às autoridades e esperaremos as instruções deles", diz Regina.
Barco possui botes para ajudar em operações de resgate de imigrantes no mar (Foto: BBC)Barco possui botes para ajudar em operações de resgate de imigrantes no mar (Foto: BBC)
Enquanto aguardam as instruções, os tripulantes do Phoenix usaram os botes para se aproximar dos imigrantes e entregar comida, água potável e coletes salva-vidas, além de oferecer assistência médica. O barco também tem um paramédico e uma área equipada para atendimento médico.
"No entanto, se o barco estiver naufragando ou o número de pessoas (a bordo) for maior do que deveria, diremos isso às autoridades e faremos o que precisa ser feito. Podemos trazer pessoas a bordo, até que Malta e a Itália possam recebê-las, e levá-las à terra."
Assunto espinhoso
Regina e Chris se revezarão para viajar com o Phoenix. Parece ingênuo pensar que uma operação do tipo pode ser organizada por civis, mas o diretor do projeto era, até pouco tempo atrás, comandante das Forças Armadas de Malta e membros da equipe têm experiência nas Forças Armadas, em resgates marítimos e na medicina.
O casal diz que o custo total da primeira missão de 60 dias do barco é de 2 milhões de euros (cerca de R$ 6.900), que eles dizem ser o orçamento total disponível até o momento.
Os Catrambones têm um grupo de empresas em Malta, que oferecem seguro e serviços para pessoas que trabalham em zonas de conflito. Eles pretendem levantar mais fundos para o projeto, além de recursos próprios, e transformá-los em uma operação que dure todo o ano.
De acordo com a Acnur, cerca de 19 mil imigrantes chegaram a Malta vindos da Líbia desde 2002. Em 2013, cerca de 30% deles ainda estavam na ilha, que tem uma população de 417 mil pessoas.
O governo maltês não respondeu a pedidos de entrevista sobre o Moas - a imigração é um assunto espinhoso para autoridades locais, e o primeiro-ministro, Joseph Muscar, já afirmou que o país tem dificuldades de lidar com o influxo de pessoas.
No ano passado, Muscat foi forçado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos a cancelar dois voos que levavam imigrantes de volta para a Líbia.
Regina Catrambone diz que o casal mantém um "diálogo em andamento" com as autoridades locais, mas revela que a embarcação navega com a bandeira de Belize porque o processo para conseguir o registro em Malta "estava demorando muito".
No entanto, a milionária se mostra irritada com as insinuações de que o dinheiro do casal poderia ser gasto de outra maneira, talvez para ajudar os imigrantes quando eles desembarcam. "Há ONGs fazendo isso em terra, mas não no mar", diz.

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