A fabricante Cessna e a seguradora do avião
informaram ao governo que o grupo paulista
AF Andrade era o dono do jatinho que caiu
em Santos
MURILO RAMOS, MARCELO ROCHA E DIEGO ESCOSTEGUY
Documentos obtidos com exclusividade por ÉPOCA
revelam que o jatinho usado na campanha por
Eduardo Campos e Marina Silva pertencia
oficialmente ao grupo paulista AF Andrade.
No papel, a AF Andrade, de usinas de açúcar,
era dona do Cessna Citation, prefixo PR-AFA,
quando o jato caiu em Santos, na semana passada –
embora tenha dito que o vendeu a um usineiro pernambucano.
Comparando-se o que diz a papelada e o que dizem os
envolvidos, chega-se à conclusão de que Eduardo
e Marina faziam campanha num avião fantasma.
Ninguém admite ser dono do Cessna, ninguém admite
ter bancado as despesas com o jatinho – e ninguém
declarou qualquer informação sobre o uso do avião
à Justiça Eleitoral. Para a PF, que investiga o caso,
esse conjunto de evidências aponta, até agora, para
fraude à Justiça Eleitoral e crimes financeiros e tributários
na operação de aluguel – ou venda – do avião.
Os papéis estão com a PF e a Agência Nacional de
Aviação Civil, a Anac. Os dois órgãos investigam quem
são os responsáveis pelo desastre – a Aeronáutica
investiga as causas dele. A identificação dos donos
do avião é imprescindível para que as famílias das vítimas
possam entrar com pedidos de indenização na Justiça.
Os responsáveis responderão também a processos
movidos pelo Ministério Público. O comitê presidencial
do PSB também pode ser acionado. No limite, a candidatura
de Marina poderia ser impugnada por fraude eleitoral.
Esse enorme passivo jurídico está por trás, ao menos
em parte, da resistência dos envolvidos em fornecer
informações à imprensa e aos investigadores.
O principal documento do conjunto é uma carta da
Cessna Finance Export Corporation (leia abaixo),
encaminhada no dia 19 de agosto (terça-feira) à Anac
. Assinado por um vice-presidente da empresa,
Robert Hotaling Jr, e endereçado ao superintendente
de aeronavegabilidade da Anac, Dino Ishikuro,
o documento diz que a aeronave prefixo PR-AFA
é de propriedade da Cessna, mas era operada desde
o dia 1º de dezembro de 2010 pela AF Andrade.
Por fim, a Cessna informa que não autorizou qualquer
transferência do leasing – expediente financeiro por
meio do qual a AF Andrade diz que pretendia quitar a
compra do avião, avaliado em quase R$ 20 milhões.
Outro documento que compromete a versão do grupo AF
Andrade é o extrato do seguro do avião. Ele foi firmado
entre a AF Andrade e a Bradesco Seguros no dia 06 de agosto,
uma semana antes do desastre aéreo. O contrato, de acordo
com o extrato, tinha validade até o dia 06 de agosto de 2015.
A apólice tinha R$ 979 mil como valor máximo. No caso de
morte de passageiros e tripulantes, a indenização individual
é fixada em R$ 55,9 mil. Para ressarcir despesas com
pessoas e bens no solo, o limite estipulado foi de R$ 221 mil.
Uma das parcelas do seguro, no valor de R$ 2.287,65,
vencia justamente no dia 13 de agosto. Estava em nome
Na segunda-feira, dia 18,
o advogado da AF Andrade,
Ricardo Tepedino, encaminhou
uma carta à Anac. Nela,
ele afirma que, no dia 15 maio
de 2014, o empresário
João Carlos Lyra Pessoa de
Mello Filho apresentou
uma proposta à AF Andrade para
que uma empresa –
que seria indicada posteriormente
– assumisse o leasing
com a Cessna. Lyra Filho é um
usineiro pernambucano.
Era amigo de Eduardo Campos.
Lyra Filho assumiria a
“custódia” e se responsabilizaria
pelas despesas do
avião até o dia 16 de junho.
Tepedino informa também
que, após o dia 15 de maio,
os “interessados”
forneceram à AF Andrade
os recursos necessários
ao pagamento de parcelas
do leasing devidas à Cessna.
Ele não diz quanto foi pago
– nem quem pagou.
Procurado por ÉPOCA,
Tepedino disse não saber
quem pagou seu cliente.
No ofício, Tepedino afirma
que Lyra Filho apresentou
como “arredentárias” as empresas pernambucanas
BR Par Participações S.A e Bandeirantes Pneus,
“controladas pelo Sr. Apolo Santana Vieira”. Tepedino
diz que, após o dia 16 de junho, a transferência do leasing
da Cessna para as empresas pernambucanas ainda não
se consumara. Apesar disso, afirmou, a aeronave
continuou sob o domínio das empresas pernambucanas,
mesmo sem qualquer cobertura contratual. “Circunstância
que, como se vê, estendeu o termo final da proposta até
o momento da queda da aeronave”, diz. ÉPOCA pediu
a Tepedino uma cópia da carta assinada por Lyra Filho
em maio, assim como comprovantes da transferência
de dinheiro necessário para a AF Andrade quitar parcelas
do leasing. “Desculpe, mas os documentos ainda não
foram entregues às autoridades e, antes disso, não
os exibiremos à imprensa”, disse ele. “O avião não
chegou a ser transferido do nome da AF, pois sofreu
o acidente antes que a Cessna aceitasse ou rejeitasse
as empresas pernambucanas.” Por lei, a operação
deveria ter sido comunicada à Anac. Não foi.
O empresário Lyra Filho é herdeiro de usina de álcool
em Pernambuco, enteado do ex-deputado federal
Luiz Piauhylino e proprietário de quatro empresas.
Uma delas, a JCL, é uma factoring que já foi multada
pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras,
o Coaf. Apolo Vieira aparece como sócio em empresas
do ramo de pneus, hotelaria e comércio. Vieira é réu,
desde 2009, num processo sobre a importação ilegal
de pneus. De acordo com o Ministério Público Federal,
o esquema em que Vieira está envolvido causou
prejuízos de quase R$ 100 milhões à Receita Federal.
ÉPOCA procurou a campanha do PSB à presidência da
ÉPOCA procurou a campanha do PSB à presidência da
República com perguntas sobre o uso da aeronave
PR- AFA. Entre outros questionamentos, perguntou se
a chapa fizera pagamentos para usar a aeronave,
se arcara com as despesas de manutenção e se
declarara tais despesas na prestação de contas
eleitoral. Na prestação parcial, referente ao mês
de julho, não há citação às empresas BR Par
e Bandeirantes.
ÉPOCA perguntou, ainda, quantas vezes a candidata
Marina Silva voou no avião e se ela tinha conhecimento
sobre quem arrendara a aeronave. Até o fechamento
desta reportagem, o PSB não respondera aos
questionamentos. De acordo com a legislação eleitoral,
uma empresa não pode fazer doações de bens ou
serviços sem relação com sua atividade fim. Por isso,
uma empresa do ramo sucroalcooleiro, como da
AF Andrade, não poderia emprestar um avião. Se o
alugasse, teria de comunicar a Anac. “A Anac não
foi informada sobre nenhuma cessão onerosa da
aeronave”, informou em nota.
Para o especialista em direito eleitoral Bruno Martins,
se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) chegar à conclusão
de que houve omissão nas informações prestadas pela
chapa, pode haver uma desaprovação das contas.
“Em último estágio, pode haver até mesmo a impugnação
da candidatura”, afirma. O advogado que representa o
PSB, Ricardo Penteado, afirma que o prazo para a
prestação de contas de Eduardo Campos é de 30 dias
contados da eleição – e a campanha cumprirá esse
calendário. ÉPOCA tenta falar com Lyra Filho desde
segunda-feira, sem sucesso. Apolo Vieira não foi
localizado. conteúdo: revista Época
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