Bianca Toledo surpreendeu médicos e familiares ao despertar após 52 dias. Mas especialistas garantem: casos assim são raros
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Uma parte importante da vida de Bianca Toledo, o nascimento e os primeiros dias de seu único filho, está perdida. A cantora gospel de 32 anos não acompanhou a chegada do bebê porque travava ela própria uma luta pela vida. Durante 52 dias, esteve internada em coma e em estado grave.
Seu enredo real parece a ficção retratada na novela da rede Globo, A Vida da Gente. E assim como a comunidade médica define o tema da trama global como uma raridade científica, ela também considera a recuperação de Bianca uma exceção aos casos que acontecem verdadeiramente nos hospitais.
Trabalho de parto
Com 36 semanas de gravidez, Bianca sentiu fortes dores abdominais, pegou a mala da maternidade e correu para o hospital. Levou um susto quando os médicos informaram que ela não estava em trabalho de parto. Algo estava errado. A decisão pela cesárea foi feita às pressas, já que seu estado de saúde piorava rapidamente.
Ao entrar na sala de cirurgia a cantora já estava entubada e inconsciente, e entrou em choque assim que o bebê nasceu. Seu intestino havia rompido e o líquido fecal se espalhado pelo abdome, situação gravíssima e com baixos índices de recuperação. Seu estado de saúde era complexo.
“Todos os meus sistemas estavam falidos, meus rins pararam de funcionar e eu fazia hemodiálise diariamente”, relata. Bianca entrou em coma.
Para tentar salvá-la, foram 10 cirurgias de lavagem do abdome. Em paralelo, ela teve duas paradas cardíacas, uma delas com a duração de seis minutos. “Posso dizer que durante esse tempo eu morri. Mas resolvi voltar a viver”, acredita.
Quando parecia se recuperar, passou a ter problemas de coagulação e precisou, ao todo, de 300 transfusões de sangue. O marido, familiares e amigos fizeram uma campanha na internet para incentivar a doação. Aproveitaram também para pedir orações que pareciam, naquele momento, a única esperança. “Até os médicos duvidaram que eu sobreviveria”, conta.
O quadro já era delicado quando os médicos anunciaram que ela passaria por mais uma operação, desta vez no pulmão. Durante o procedimento, contraiu a superbactéria Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC), causadora de uma das mais resistentes e fatais infecções hospitalares.
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Foram dias intensos e de muita angústia para toda a família, que lidava com sentimentos ambíguos: a alegria com a chegada de um bebê e a luta incerta que Bianca travava na cama do hospital sem parecer estar acordada. Eles se revezavam nas duas horas diárias em que era permitido visitá-la.
Glasgow: 3 pontos
O coma é um estado de alteração do nível de consciência. O grau de interação com o ambiente e com si mesmo reduz de acordo com a gravidade do quadro. “A pessoa não responde aos estímulos externos. O córtex, região do cérebro que nos dá consciência e reage aos comandos, está inibido. A pessoa não consegue estabelecer conexão com o mundo”, explica Douglas Ferrari, presidente da Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva (SOBRATI).
Atualmente, os médicos utilizam a chamada escala Glasgow, criada em 1974 por cientistas escoceses, para definir a gravidade do paciente. Casos muito graves correspondem a 3 pontos e o estado normal, a 15 pontos.
“O coma é uma agressão ao sistema nervoso central que faz com que as funções de manutenção de vigília diminuam”, explica o neurologista do Hospital São Luiz, Álvaro Pentagna.
As causas que levam alguém a esse estado são essenciais para a recuperação – ou não – da consciência.
“Se foi um trauma, um acidente, as chances são maiores no período de um ano. No entanto, em casos não-traumáticos, esse tempo gira em torno de três meses”, relata o médico.
Próximo ao fim desse período, no 52º dia de internação, em dezembro de 2010, cercada por aparelhos, Bianca acordou.
Aos poucos, abriu os olhos. Estava com os músculos comprometidos e não conseguia se mexer. Não podia falar, pois ainda estava entubada, oS rins não funcionavam sozinhos, o abdome precisava de atenção constante e ela havia perdido os cabelos por conta da grande quantidade de medicamentos.
“Estar lúcida sabendo que você pode estar morrendo é uma experiência inexplicável. O ambiente do Centro de Terapia Intensiva é paralelo, não dá para saber se é dia ou noite. Eu só conseguia abrir e fechar os olhos e nesse primeiro momento não havia ninguém comigo”, recorda.
“Quando recebia visitas, conseguia compreender as pessoas, mas não conseguia interagir. As pessoas conversavam comigo sem saber se eu estava ouvindo mesmo ou não, se estava entendendo ou não”, lembra.
A recuperação foi gradual. No início, Bianca conseguiu fazer-se entender apenas piscando os olhos. Depois passou a mexer sutilmente um dos dedos. Os familiares, muito atentos, foram os primeiros a notar o progresso.
O tempo de coma também é um fator decisivo para a saúde do paciente e sua recuperação. “Quanto mais a pessoa ficar nesse estado, maior a lesão no cérebro e menores são as chances de sair dele”, alerta Bernardo Liberato, neurologista do hospital Copa D´Or e membro da Academia Brasileira de Neurologia.
Casos como o retratado na novela “A Vida da Gente”, em que a protagonista Ana (Fernanda Vasconcelos) acorda depois de cinco anos em coma, são raríssimos na vida real.
“No caso da personagem, ela acordaria com muitos problemas, não teria consciência plena. Dificilmente seria independente, exigiria ajuda para quase tudo”, pondera Liberato. Foi com ele que o ator Thiago Lacerda aprendeu o cotidiano dessa especialidade para poder interpretar Lúcio, o médico responsável pelos cuidados de Ana.
“Na novela, ela deve melhorar mais do que o mundo real permite”, avalia.
“A pessoa que entra em coma prolongado tem que reaprender a andar, falar, entre outras funções”, completa Pentagna.
Uma nova vida
Sair do estado de coma também não acontece de forma instantânea ou repentina. “Ninguém acorda do dia para a noite”, relata Ferrari. A pessoa esboça um pequeno sinal um dia, depois outro. A evolução pode levar semanas e não deve ser confundida com movimentos involuntários.
“Exames clínicos e de imagem poderão determinar a condição do paciente. O médico vai avaliar se há abertura ocular, resposta verbal, emissão de ruídos, resposta motora ou resposta a estímulo visual ou físico. O eletroencefalograma também ajuda nesse momento a verificar o funcionamento do cérebro”, relata Pentagna.
“Depois de um tempo, meus familiares pediram para que eu piscasse uma vez quando a resposta fosse 'sim' ou duas vezes quando quisesse expressar 'não'. Aos poucos, consegui mexer o dedo melhor e apontava as letras numa placa. Comecei a formar frases. Dizer o que eu achava importante foi realmente incrível”, relembra Bianca.
O organismo passou a responder significativamente bem e a fisioterapia diária trouxe mais mobilidade a braços e pernas. O primeiro passo foi respirar sozinha, em seguida, a traqueostomia foi retirada.
“Os médicos acreditavam que a minha voz nunca mais seria a mesma. Eu pensei que se havia vencido essa batalha, poderia vencer outra. Minha voz ficou diferente por causa da laringe, mas não abri mão da possibilidade de cantar e estou melhorando”, afirma. Quase recuperada e prestes a ir para casa, a insuficiência renal parecia ser a única sequela que ela carregaria. Um dia antes de ter alta, porém, os rins voltaram a funcionar. “Eu tinha muita fé de que isso ia acontecer”, diz.
No dia 18 de fevereiro, quase dois meses depois de acordar do coma, a cantora saiu do hospital em uma cadeira de rodas, pois ainda estava fraca e com grande comprometimento muscular. Mas finalmente parecia ter vencido a morte.
Lembranças de ontem e de hoje
Dos dias que ficou em coma, Bianca diz se lembrar de alguns momentos, que prefere chamar de sonhos. “Era como se vivenciasse tudo em outra dimensão. Lembro de ouvir música gospel, louvores, e que isso me trazia serenidade. Também recordo da visita de um parente, que me pediu perdão.”
Quando acordou, Bianca percebeu que um iPod tocava uma seleção de música desse estilo ao lado da cama e, ao reencontrar o familiar, disse-lhe que estava em paz por tê-lo perdoado.
“Ele chorou muito e disse que havia feito o pedido em uma das visitas. É possível processar sentimentos mesmo estando inconsciente”, acredita. Para os médicos, essa ainda é uma área nebulosa e divergente, embora existam diversos relatos de pacientes que dizem interagir, ainda que minimamente, com o meio.
Entre todas as recordações e sentimentos ligados à experiência do coma, o mais emocionante foi o primeiro encontro de Bianca com o filho. Na época em que saiu do hospital, em fevereiro deste ano, seu bebê já estava com cinco meses.
“Foi estranho, mas maravilhoso. Ele já era um bebê grande. Olhou pra mim, bem para os meus olhos... e sorriu. Foi uma surpresa. Devagar, estamos fortalecendo nosso vínculo”, relata.
Agora, Bianca está lançando um livro sobre sua trajetória chamado “A História de um Milagre”.
“Eu preciso dizer que existe esperança, que é possível superar esse momento”, enfatiza.
"Mesmo que os médicos digam o contrário."
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