quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Comissão relata modalidades de tortura usadas contra presos políticos

Arte / comissão nacional da verdade / relatório final (Foto: Editoria de Arte / G1)
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade, entregue nesta quarta-feira (10) à presidente Dilma Rousseff, relata diversas modalidades de tortura utilizadas contra presos políticos durante a ditadura, entre 1964 e 1985. O documento divide os tipos de tortura em "físicas", "psicológicas" e "sexuais".
Com 4.328 páginas, o documento consolida o trabalho da comissão, após dois anos e sete meses de audiências públicas, depoimentos de militares e civis e coleta de documentos referentes ao regime militar (consulte a íntegra). O texto aponta 377 pessoas como responsáveis diretas ou indiretas pela prática de tortura e assassinatos durante a ditadura militar
De acordo com o relatório, a violência contra presos políticos e opositores do regime militar não era algo isolado mas sim uma "política de repressão coordenada pelas Forças Armadas".
"A tortura, como enfatiza o relatório da Anistia Internacional de 1972, tornou-se um instrumento de poder e de preservação do governo – com destinação de recursos, organização de centros e de instrumentos e uso de pessoal próprio", aponta o documento.
"[A tortura] era aplicada em todas as vítimas de forma precisa e padronizada, seguindo um mesmo sistema estabelecido para todos os agentes.Para alguns detidos, ainda eram usados métodos mais antigos de violência, com o risco de lhes causar a morte, ou até mesmo com esse objetivo", explica a Comissão da Verdade.
Entre as práticas de tortura mais conhecidas estão os choques elétricos, o uso de palmatórias e o "pau de arara", modalidade em que o preso fica pendurado pelos pés e com os braços amarrados. Segundo o relatório, os militares se utilizavam de mais de uma modalidade de tortura em diversos interrogarótios realizados.
Para exemplificar os tipos de tortura que era cometidos, o documento traz diversos depoimentos de pessoas que foram violentadas durante a ditadura. Além dos depoimentos, a CNV utilizou também documentos e reportagens veiculadas à época do regime que trazem relatos de violência por parte dos militares.
Outra prática comum era o uso da "geladeira", pela qual o preso era confinado em uma caixa de aproximadamente 1,5 m de altura com paredes forradas por placas isolantes que não permitiam a entrada de luz ou sons externos.
"Um sistema de refrigeração alterna temperaturas baixas com temperaturas altas fornecidas por um outro, de aquecimento. A cela fica totalmente escura na maior parte do tempo. No teto, acendem-se às vezes, em ritmo rápido e intermitente, pequenas luzes coloridas, ao mesmo tempo que um alto-falante instalado dentro da cela emite sons de gritos, buzinas e outros, em altíssimo volume. A vítima, despida, permanece aí por períodos que variam de horas até dias, muitas vezes sem qualquer alimentação ou água", explicam os pesquisadores no relatório.
À Comissão da Verdade, os presos políticos que foram tortutados também citaram que foram submetidos à sessões de afogamento, estrangulamento, asfixia, sufocamento e espancamento por militares.
Também é citado no texto o uso de animais na prática de tortura. "Presos políticos foram expostos aos mais variados tipos de animais, como cachorros, ratos, jacarés, cobras, baratas, que eram lançados contra o torturado ou mesmo introduzidos em alguma parte do seu corpo", diz trecho do documento.
Em várias situações, segundo o relatório, a tortura levou à morte de presos políticos. É o caso de Aurora Maria Nascimento Furtado, que foi submetida à "coroa de cristo", prática na qual os torturadores colocavam uma fita de aço na cabeça do detido, com uma tarraxa permitindo que a "coroa" fosse apertada.
Tortura psicológica
O documento também traz modalidades de tortura psicológica. Segundo a comissão explica, foram consideradas práticas de tortura psicológica os atos "voltados a provocar sofrimento psíquico ou moral".
"Tortura psicológica pode ser compreendida como aquela na qual a violência, mais do que atingir e deixar marcas no corpo da vítima, produz danos psicológicos [...] De qualquer forma, a tortura psicológica raramente vem isolada, sem agressão física. Por vezes só a possibilidade do início das torturas físicas já causava no torturado um imenso pavor, consubstanciando tortura psicológica", explica o texto.
Segundo a CNV, o tipo de tortura psicológica mais comum era a ameaça ao indivíduo e a familiares e amigos. O texto cita, inclusive, parte do depoimento da presidente Dilma Rousseff à Comissão Estadual de Indenização às Vítimas de Tortura (CEIVT) de Minas Gerais, em 2001. Militante de esquerda, Dilma foi presa e torturada pelo regime militar.
“Tinha muito esquema de tortura psicológica, ameaças. [...] ‘Você fica aqui pensando, daqui a pouco eu volto e vamos começar uma sessão de tortura.’ A pior coisa é esperar por tortura", disse Dilma à comissão.
Violência sexual
A Comissão Nacional da Verdade dedicou um capítulo específico para a violência sexual no relatório. As práticas mais comuns deste tipo de violência, segundo o documento, eram os estupros, especialmente contra as mulheres. Há, também, relatos de homens que foram presos pelo regime e que sofreram agressões e choques elétricos nos órgãos genitais.
O relatório também enumera diversas situações em que os militares violentaram "verbalmente" as presas políticas com palavras "que rotulavam a mulher como 'prostituta'" e, portanto, "merecedora de violações de natureza sexual".

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