Roberto kaz
RIO - A história é contada pelo grafiteiro Carlos Esquivel Gomes da Silva, que assina suas obras como Acme. Ao pintar o muro de uma escola pública em Copacabana, no fim do ano passado, o rapaz, de 34 anos, foi abordado por um policial militar fardado. Já não era a primeira vez que isso ocorria. Dez anos antes, uma tentativa de grafitar os muros do Jockey Clube, no Jardim Botânico, levara-o à 15º DP, na Gávea (a pena acabou revertida em pagamento de cestas básicas).
Por isso, foi grande o seu espanto quando o policial se aproximou, em Copacabana, sem emitir uma única palavra de ordem. Primeiro, o homem observou a equipe da BBC que gravava a cena para uma reportagem. Depois, fitou o grafiteiro com o spray de tinta na mão. Por fim, perguntou, em tom curioso:
— O tubarão é o quê? (O desenho mostrava um tubarão sendo esmagado por um polvo, em alusão às vitórias do povo após as manifestações).
Explanação dada, o policial se retirou, pedindo apenas que o diálogo não fosse registrado, para evitar que perdesse o emprego.
— Isso nunca tinha me acontecido — lembra Acme. — A sociedade tem olhado para o grafite de outra maneira.
E o governo também. Acme é curador, juntamente com o também grafiteiro Airá Ocrespo, do GaleRio, projeto da prefeitura que pretende intervir em 40 quilômetros de muros da Linha 2 do metrô, ao longo da Zona Norte.
A ação — a ser iniciada no fim deste mês — é encabeçada pelo Instituto EixoRio, autarquia recém-criada pelo poder municipal, com o objetivo de ampliar o diálogo com a Zona Norte.
Nascido em Olaria, Airá, de 32 anos, é professor de grafite na Escola Sesc, além de curador da exposição Alta Temperatura, sobre arte de rua, no Sesc São Gonçalo. No ano retrasado, desenvolveu, com o rapper Marcelo Dughettu (atual presidente do EixoRio), a Copa Graffiti. O evento, feito em parceria com o metrô, serviu para pintar parte dos muros de 15 estações da Linha 2.
— Aí nesse ano o EixoRio quis estender para a linha toda — conta. — E o Acme, que ganhou a Copa Graffiti, veio fazer a curadoria comigo.
A partir de então, Airá e Acme trataram de escolher dez grafiteiros, responsáveis, cada qual, por elencar e capitanear um grupo com outros nove artistas de rua.
Até março, as dez equipes terão de grafitar os muros do metrô em Triagem, Del Castilho, Engenho da Rainha e Inhaúma. Receberão spray de tinta e um cachê, ainda não definido, pago pela prefeitura. Orçado em R$ 1 milhão, o projeto deve ficar pronto em 2016.
— A ideia é que todos os muros sejam pintados, mas tem trechos cortados por viadutos ou construções irregulares — diz Airá, que admite ter ficado confuso com o fato de o grafite, expressão artística essencialmente marginal, ter sido encampado pelo poder público.
— Já vivi conflitos com isso, mas é um movimento natural. Hoje são poucas as pessoas com uma postura radical. E cresceu um movimento muito forte de um grafite mais estético.
Presidente do EixoRio, Marcelo Dughettu, de 35 anos, corrobora:
— A intensão não é encaretar. É fortalecer, profissionalizar. Sempre pergunto: “Vocês querem ser uma linha na planilha ou os donos da planilha?” Essa rapaziada tem ideia de rua, mas não de ar-condicionado. Tem que materializar isso.
Nascido em Guadalupe e radicado em Botafogo, Dughettu diz ter saído cedo de seu ambiente “para invadir a Zona Sul na marra”.
— Não sou da favela, não sou da Zona Norte, sou do Rio. Meu playground é Madureira, sou charmeiro do viaduto — diz, quase em ritmo de rap.
Trabalhou por 11 anos numa marca de energéticos, onde chegou a gerente de marketing. Em 2011, passou um ano estudando inglês em Nova York. Na volta, apresentou a campanha televisiva de Eduardo Paes que, uma vez reeleito, o convidou a integrar o governo.
— O Eduardo me disse: “Pensa em alguma coisa e traz o projeto” — lembra Dughettu. — Propus o EixoRio.
O instituto, que fica num andar grafitado do edifício da RioTur, no Centro, foi inaugurado em novembro. Além do GaleRio, toca uma rádio virtual e um programa de apoio ao circuito do rap.
— Vai ter articulação com a secretaria municipal de Conservação para iluminar e recuperar as áreas que vamos grafitar — diz Dughettu. — Se não, só o grafite não resolve.
Wikipedia das ruas cariocas
A ideia surgiu no ano retrasado. Ao viajar pela Califórnia, os amigos Rafo Castro e Marcelo Alves resolveram conhecer alguns grafites da costa americana. Recorreram a aplicativos de celular — e logo perceberam que alguns dos muros, ao vivo, já não contavam com as pinturas com que apareciam no mundo virtual.
Como o grafite é na essência ilegal e passível de ser apagado, concluíram que a única forma de manter um mapa atualizado seria com colaboração livre, de qualquer pessoa, através do próprio celular. Voltaram ao Rio dispostos a criar um aplicativo.
Nasceu então o #StreetArtRio, mapa virtual e colaborativo do grafite carioca. Funciona assim: a pessoa fotografa o muro grafitado e publica a imagem no Instagram, acrescida da localização e da legenda #StreetArtRio.
Rafo, Marcelo e os designers Joana Palhares e Miguel Athayde, também sócios da empreitada, encarregam-se de descobrir a autoria.
— Não é difícil. Quase todo mundo da cena se conhece — diz Rafo, grafiteiro desde 2003. — Queremos colocar mais detalhes de cada autor, com contato e lista de trabalhos. Vai ser tipo uma “Wikipedia”.
Desde que foi levado ao ar no endereço streetartrio.com.br, em agosto de 2012, o site recebeu 3.200 fotos. Rafo diz que são mais de 350 os artistas e 200 os colaboradores:
— As imagens podem ser repetidas, porque mostram ângulos e épocas diferentes. Temos, por exemplo, fotos do grafite de Osgemeos sendo feito e apagado pela Comlurb, na entrada do Túnel Rebouças.
A partir das imagens, Marcelo Alves percebeu uma diferença clara entre grafites das zonas Norte e Sul:
— Quanto mais você avança em áreas pobres, a estética fica mais dura, sem cor e com muita tipografia. Sem passarinhos, como na Zona Sul.
Por isso, foi grande o seu espanto quando o policial se aproximou, em Copacabana, sem emitir uma única palavra de ordem. Primeiro, o homem observou a equipe da BBC que gravava a cena para uma reportagem. Depois, fitou o grafiteiro com o spray de tinta na mão. Por fim, perguntou, em tom curioso:
— O tubarão é o quê? (O desenho mostrava um tubarão sendo esmagado por um polvo, em alusão às vitórias do povo após as manifestações).
Explanação dada, o policial se retirou, pedindo apenas que o diálogo não fosse registrado, para evitar que perdesse o emprego.
— Isso nunca tinha me acontecido — lembra Acme. — A sociedade tem olhado para o grafite de outra maneira.
E o governo também. Acme é curador, juntamente com o também grafiteiro Airá Ocrespo, do GaleRio, projeto da prefeitura que pretende intervir em 40 quilômetros de muros da Linha 2 do metrô, ao longo da Zona Norte.
A ação — a ser iniciada no fim deste mês — é encabeçada pelo Instituto EixoRio, autarquia recém-criada pelo poder municipal, com o objetivo de ampliar o diálogo com a Zona Norte.
Nascido em Olaria, Airá, de 32 anos, é professor de grafite na Escola Sesc, além de curador da exposição Alta Temperatura, sobre arte de rua, no Sesc São Gonçalo. No ano retrasado, desenvolveu, com o rapper Marcelo Dughettu (atual presidente do EixoRio), a Copa Graffiti. O evento, feito em parceria com o metrô, serviu para pintar parte dos muros de 15 estações da Linha 2.
— Aí nesse ano o EixoRio quis estender para a linha toda — conta. — E o Acme, que ganhou a Copa Graffiti, veio fazer a curadoria comigo.
A partir de então, Airá e Acme trataram de escolher dez grafiteiros, responsáveis, cada qual, por elencar e capitanear um grupo com outros nove artistas de rua.
Até março, as dez equipes terão de grafitar os muros do metrô em Triagem, Del Castilho, Engenho da Rainha e Inhaúma. Receberão spray de tinta e um cachê, ainda não definido, pago pela prefeitura. Orçado em R$ 1 milhão, o projeto deve ficar pronto em 2016.
— A ideia é que todos os muros sejam pintados, mas tem trechos cortados por viadutos ou construções irregulares — diz Airá, que admite ter ficado confuso com o fato de o grafite, expressão artística essencialmente marginal, ter sido encampado pelo poder público.
— Já vivi conflitos com isso, mas é um movimento natural. Hoje são poucas as pessoas com uma postura radical. E cresceu um movimento muito forte de um grafite mais estético.
Presidente do EixoRio, Marcelo Dughettu, de 35 anos, corrobora:
— A intensão não é encaretar. É fortalecer, profissionalizar. Sempre pergunto: “Vocês querem ser uma linha na planilha ou os donos da planilha?” Essa rapaziada tem ideia de rua, mas não de ar-condicionado. Tem que materializar isso.
Nascido em Guadalupe e radicado em Botafogo, Dughettu diz ter saído cedo de seu ambiente “para invadir a Zona Sul na marra”.
— Não sou da favela, não sou da Zona Norte, sou do Rio. Meu playground é Madureira, sou charmeiro do viaduto — diz, quase em ritmo de rap.
Trabalhou por 11 anos numa marca de energéticos, onde chegou a gerente de marketing. Em 2011, passou um ano estudando inglês em Nova York. Na volta, apresentou a campanha televisiva de Eduardo Paes que, uma vez reeleito, o convidou a integrar o governo.
— O Eduardo me disse: “Pensa em alguma coisa e traz o projeto” — lembra Dughettu. — Propus o EixoRio.
O instituto, que fica num andar grafitado do edifício da RioTur, no Centro, foi inaugurado em novembro. Além do GaleRio, toca uma rádio virtual e um programa de apoio ao circuito do rap.
— Vai ter articulação com a secretaria municipal de Conservação para iluminar e recuperar as áreas que vamos grafitar — diz Dughettu. — Se não, só o grafite não resolve.
Wikipedia das ruas cariocas
A ideia surgiu no ano retrasado. Ao viajar pela Califórnia, os amigos Rafo Castro e Marcelo Alves resolveram conhecer alguns grafites da costa americana. Recorreram a aplicativos de celular — e logo perceberam que alguns dos muros, ao vivo, já não contavam com as pinturas com que apareciam no mundo virtual.
Como o grafite é na essência ilegal e passível de ser apagado, concluíram que a única forma de manter um mapa atualizado seria com colaboração livre, de qualquer pessoa, através do próprio celular. Voltaram ao Rio dispostos a criar um aplicativo.
Nasceu então o #StreetArtRio, mapa virtual e colaborativo do grafite carioca. Funciona assim: a pessoa fotografa o muro grafitado e publica a imagem no Instagram, acrescida da localização e da legenda #StreetArtRio.
Rafo, Marcelo e os designers Joana Palhares e Miguel Athayde, também sócios da empreitada, encarregam-se de descobrir a autoria.
— Não é difícil. Quase todo mundo da cena se conhece — diz Rafo, grafiteiro desde 2003. — Queremos colocar mais detalhes de cada autor, com contato e lista de trabalhos. Vai ser tipo uma “Wikipedia”.
Desde que foi levado ao ar no endereço streetartrio.com.br, em agosto de 2012, o site recebeu 3.200 fotos. Rafo diz que são mais de 350 os artistas e 200 os colaboradores:
— As imagens podem ser repetidas, porque mostram ângulos e épocas diferentes. Temos, por exemplo, fotos do grafite de Osgemeos sendo feito e apagado pela Comlurb, na entrada do Túnel Rebouças.
A partir das imagens, Marcelo Alves percebeu uma diferença clara entre grafites das zonas Norte e Sul:
— Quanto mais você avança em áreas pobres, a estética fica mais dura, sem cor e com muita tipografia. Sem passarinhos, como na Zona Sul.
O Globo
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