Diante da controvérsia em torno do impeachment de Dilma Rousseff e da legitimidade do governo Michel Temer, alguns parlamentares e parte da sociedade brasileira têm defendido a antecipação das eleições presidenciais.
A presidente afastada sinalizou apoio à proposta pela primeira vez em entrevista à rede pública EBC transmitida no final da semana passada, o que animou adeptos da medida.
No entanto, apesar do aceno favorável da petista, a resistência de Temer e seus aliados torna difícil a realização do pleito antes de 2018, pois isso teria que ser aprovado pelo Congresso, onde hoje o peemedebista tem ampla maioria.
Para políticos e juristas ouvidos pela BBC Brasil, o andamento da proposta dependeria de uma grande mobilização popular que pressionasse os parlamentares.
O líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), diz que a proposta não tem apoio da maioria do Congresso hoje.
"Essa matéria podia ter sido debatida quando a presidente estava no exercício do poder. Ela nunca se movimentou e nunca alimentou essa tese. Agora que o impeachment está feito, que ela perdeu, quer começar outro jogo para reverter o jogo anterior. Isso não tem mais apelo".
Aliado do governo Temer, o PSDB também tem se oposto à ideia. Neste sábado, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, chegou a dizer que a proposta "não tem amparo jurídico" e que não passaria pelo crivo do Supremo Tribunal Federal.
No momento, Dilma enfrenta um processo no Senado que pode afastá-la definitivamente da Presidência caso seja condenada por crime de responsabilidade devido a irregularidades fiscais.
A ideia entre os defensores do plebiscito é, caso a petista seja absolvida, realizar em seguida uma consulta à população sobre se as eleições deveriam ser antecipadas ou não. A proposta poderia atrair a seu favor votos de senadores indecisos.
No mês passado, 55 senadores aprovaram a abertura do processo contra Dilma. Para ela ser condenada, é preciso voto de 54 (dois terços dos 81). No entanto, alguns senadores que apoiaram seu afastamento temporário disseram que ainda não estão decididos pela condenação, caso de Cristovam Buarque (PPS-DF) e Romário (PSB-RJ).
Para Buarque, o posicionamento de Dilma a favor de um plebiscito pela antecipação das eleições pode influenciar o voto de alguns senadores. Na sua visão, nem ela nem Temer têm legitimidade para governar.
"Certamente, essa manifestação vai provocar uma simpatia entre aqueles que acreditam que a saída (da crise política) está numa eleição em outubro (quando ocorrem as eleições municipais), para que um presidente eleito complete o mandato dela. Então eu creio que haverá uma simpatia desses votos que defendem eleição antecipada", afirmou à BBC Brasil.
O líder do PT no Senado, Humberto Costa, disse que a discussão ainda é muito preliminar dentro do partido, mas que "pode efetivamente tomar corpo" após o posicionamento de Dilma à EBC. Segundo ele, o apoio à proposta estaria condicionado ao retorno dela à presidência.
"Eu acho que pode ser uma alternativa interessante primeiro porque a pré-condição para que isso aconteça é que a presidente retorne e a gente interrompa esse golpe parlamentar em curso. Então, reestabelece-se a legitimidade", afirmou.
Para o líder petista, se a maioria da população rejeitar a antecipação das eleições em plebiscito, isso daria "uma legitimidade adicional" ao governo Dilma, "que pode ajudar na relação com o Congresso e a sociedade"
"Por outro lado, se perde (o plebiscito), nós vamos ter uma eleição e quem entrar entra também com legitimidade", ressaltou.
Obstáculos à antecipação das eleições
A Constituição prevê que eleições presidenciais diretas antecipadas só são convocadas caso os cargos de presidente e vice fiquem vagos antes de completarem dois anos de mandato - o que no caso de Dilma e Temer ocorre no fim deste ano.
Dessa forma, se ambos aceitassem renunciar ainda em 2016, o pleito poderia ser realizado. Isso também aconteceria se os dois sofressem processo de impeachment ou se o Tribunal Superior Eleitoral decidisse cassar a chapa por irregularidade na campanha de 2014.
No entanto, esses três cenários não têm prosperado: os dois não têm mostrado disposição em renunciar; o pedido de processo de impeachment contra Temer está parado na Câmara; e o processo contra ambos no TSE só deve ser concluído depois de 2016.
Diante disso, o caminho possível seria alterar a Constituição Federal para permitir a antecipação das eleições, explicaram os juristas e políticos ouvidos pela BBC Brasil. Acontece que para aprovar uma emenda constitucional é preciso apoio de três quintos da Câmara e do Senado, em duas votações em cada Casa. Ou seja, é necessário um grande acordo político.
A convocação de um plebiscito depende de apoio menor, bastaria a maioria simples do Congresso, e não os dois terços exigidos para aprovação de emenda constitucional.
No entanto, o máximo que o plebiscito poderia expressar, no caso de a maioria votar por eleições antecipadas, é a vontade popular para que o Congresso antecipe o pleito. A realização do pleito em si antes de 2018 dependeria ainda da alteração da Constituição.
Por isso, dentro do Congresso, a matéria vem sendo tratada desde o início como uma proposta de emenda constitucional (PEC). Já há inclusive uma em tramitação, de autoria do senador Walter Pinheiro (sem partido-BA), ex-petista.
"Sem haver renúncia (conjunta de Dilma e Temer), seria através de uma emenda constitucional, e alinhavar uma emenda constitucional é uma coisa muito complexa. A gente não pode esquecer que a própria base política da presidente Dilma estava se esfacelando e isso que permitiu o afastamento dela", destaca a professora de Direito Eleitoral da FGV-Rio Silvana Batini.
O professor de direito constitucional da UERJ Daniel Sarmento é a favor da realização de eleições antecipadas. Ele diz, no entanto, que a proposta não pode estar vinculada a um acordo para encerrar o processo contra Dilma no Senado.
"Eu sou absolutamente favorável à convocação de plebiscito e de eleição. Acho que essa é a saída mais democrática. Mas o impeachment é um processo de crime de responsabilidade. Você não pode encerrar um processo por acordo. Poderia ter uma emenda convocando um plebiscito para as pessoas se manifestarem se querem ou não uma eleição, em paralelo ao processo de impeachment", defendeu.
STF
Na hipótese de a proposta prosperar apesar dos obstáculos políticos, Batini e Sarmento acreditam que inevitavelmente a questão ainda passaria pela análise do STF.
O presidente do PMDB, Romero Jucá, por exemplo, já chegou argumentar que a antecipação das eleições seria um "golpe". Segundo ele, encurtar mandatos de pessoas eleitas fere cláusula pétrea - aqueles artigos da Constituição de 1988 que não podem ser alterados nem por emenda.
Os juristas ouvidos pela BBC Brasil, porém, discordam de Jucá.
"Não chegaria a tanto. Cláusula pétrea não deve ser interpretada com essa extensão porque ninguém tem direito de engessar as gerações futuras dessa forma", observa a professora da FGV.
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