Após uma reunião realizada na última segunda-feira, dia 1, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou uma “emergência de saúde pública de preocupação internacional” devido à aparente ligação do vírus Zika a uma onda de defeitos congênitos graves que vêm sendo registrados em toda a América do Sul, especialmente no Brasil.
Segundo o jornal britânico “The Guardian”, a diretora-geral da OMS, Margaret Chan, disse que a ligação entre o vírus Zika e a microcefalia é “fortemente suspeita, mas ainda não comprovada cientificamente”. Após uma análise das evidências, o comitê chegou à conclusão que as ocorrências recorrentes de microcefalia e outras complicações neurológicas constituem “um evento extraordinário e uma ameaça à saúde pública para outras partes do mundo”.
A declaração deve acionar o financiamento de pesquisa para tentar determinar se o vírus Zika, transmitido por mosquitos, é responsável pelo grande número de bebês nascidos com cabeças anormalmente pequenas no Brasil. Também serão depositados recursos em um enorme esforço para impedir que as mulheres grávidas sejam infectadas e, por meio do controle do mosquito, parar a propagação do vírus.
- O anúncio foi feito após uma reunião do comitê de regras de saúde de emergências internacionais da OMS, convocado para assessorar a diretora-geral a respeito da possibilidade de decretar o estado de emergência, que põe recursos e competências internacionais em ação.
Cuidados necessários
Para Chan, é preciso uma resposta coordenada internacional, mas não há nenhum motivo para introduzir restrições às viagens ou ao comércio. Ela aponta, ainda, que o controle do mosquito transmissor do Zika deve ser a principal preocupação nesse momento.
A designação foi recomendada por um comitê de peritos independentes e deve ajudar a determinar rapidamente as áreas internacionais prioritárias de ação e pesquisa.
Chan aconselhou que mulheres grávidas tomem medidas para se proteger. “Se você puder atrasar viagens e isso não afetar os seus outros compromissos familiares, é algo que se pode considerar”, disse. “Aquelas que precisam viajar podem se aconselhar com seu médico e tomar medidas de proteção pessoal, como usar mangas compridas, camisas e calças e repelente de mosquitos”.
Ações governamentais
A presidenta Dilma Rousseff reconheceu, no fim de semana, que o país estava perdendo a batalha. “Nós ainda não temos uma vacina para o Zika. A única coisa que podemos fazer é lutar contra o mosquito”, declarou a jornalistas durante uma visita à sede de emergência da campanha anti-Zika. “Enquanto [os mosquitos] estão se reproduzindo, todos nós estamos perdendo a batalha. Temos de nos mobilizar para ganhá-la”.
Funcionários de saúde pública, apoiados por 220 mil soldados, intensificaram os seus esforços para matar criadouros do mosquito Aedes, particularmente no nordeste, onde estão concentrados a maioria dos casos.
Também nesta segunda-feira, Rousseff assinou uma lei permitindo que as autoridades de saúde acessem qualquer edifício para erradicar criadouros. A nova lei permite o acesso a todas as casas e edifícios públicos e privados, mesmo que o proprietário não possa ser localizado. Funcionários podem pedir apoio da polícia para adentrar qualquer edifício suspeito de ser um terreno reprodução do mosquito.
A agência de saúde das Nações Unidas alertou na semana passada que o vírus está se “espalhando de maneira explosiva” nas Américas, sendo esperados até 4 milhões de casos na região este ano.
Resposta internacional
A OMS tem sofrido pressão para agir rapidamente na luta contra o Zika, depois de admitir que havia sido lenta na resposta ao surto de Ebola que devastou partes do oeste da África. “É importante perceber que a partir do momento que temos evidências de uma condição tão grave como microcefalia e outras anomalias congênitas, temos de tomar medidas, incluindo medidas de precaução”, apontou Chan.
Especialistas em doenças tropicais envolvidos na epidemia de Ebola aplaudiram a declaração. “A OMS enfrentou pesadas críticas por esperar muito tempo para declarar o surto de Ebola uma emergência de saúde pública e devem ser felicitados por ser muito mais pró-ativos neste momento”, afirma Jeremy Farrar, diretor da organização global de pesquisa em saúde Wellcome Trust, em entrevista ao jornal “The Guardian”. “A declaração de hoje dará à OMS a autoridade e os recursos de que necessita para levar uma resposta internacional ao Zika”.
- Jonathan Ball, professor de virologia molecular na Universidade de Nottingham, no Reino Unido, acredita que, ainda que a resposta impulsiva seria proibir as viagens e o comércio com os países afetados, a verdade é que o problema potencial é muito mais amplo. “Não seria realmente viável bloquear os países afetados para tentar impedir a propagação de um vírus que é transportado pelo mosquito Aedes, principalmente quando os países afetados e não afetados fazem fronteira entre si”.
“Até que populações possam construir imunidade suficiente – seja por meio de infecção natural ou por meio de vacinação – o risco para mulheres grávidas é real e, portanto, este grupo precisa tomar cuidado extra para evitar ser exposto”, aconselha.
Pesquisa brasileira
Estima-se que 1,5 milhões de brasileiros contraíram o Zika, um vírus detectado pela primeira vez na África na década de 1940 e desconhecido nas Américas até maio passado. A Organização Pan-Americana da Saúde disse que, desde então, ele se espalhou para 24 países e territórios do hemisfério.
O Brasil enviou centenas de milhares de soldados em campanhas de erradicação do mosquito nas áreas mais afetadas, mas o governo ainda está se esforçando para compreender a epidemia. Ainda que casos os relatados tenham disparado desde que o vírus foi identificado pela primeira vez no país no ano passado, as autoridades admitem a sua estimativa de 1,5 milhões de casos é baseada em suposições.
“80% das pessoas infectadas pelo Zika não desenvolvem sintomas significativos”, afirmou o ministro da Saúde, Marcelo Castro, à agência de notícias Reuters. “Um grande número de pessoas têm o vírus sem sintomas, por isso, a situação é mais grave do que podemos imaginar”.
Em um esforço para obter uma imagem mais clara do cenário atual, as autoridades de saúde locais foram instruídas a informar sobre todos os casos na próxima semana, quando a maioria dos estados deve ter o equipamento e pessoal para realizar testes do Zika. Pessoas que têm o vírus não poderão doar sangue.
Apesar da falta de dados fiáveis, Castro disse que os pesquisadores estavam convencidos de que o vírus era a causa de um pico de casos notificados de microcefalia. A ligação não foi comprovada, mas as preocupações estão crescendo por causa da doença e da anormalidade no aumento acentuado da ocorrência de ambos.
É tão grave assim?
Embora os sintomas da infecção pelo vírus sejam relativamente leves, acredita-se que ele esteja ligado a um aumento nos casos de microcefalia, em que o bebê nasce com a cabeça e cérebro anormalmente pequenos. O Zika também é suspeito de ligações a um distúrbio neurológico chamado síndrome de Guillain-Barré.
No Brasil, os alarmes de situação de risco soaram após uma erupção de casos de microcefalia no nordeste. Desde então, houve 270 casos confirmados de microcefalia e 3.448 casos suspeitos, contra 147 em 2014. Também em 2014, houve um aumento no número de casos de microcefalia na Polinésia, mas os números não chamaram tanta atenção à época.
Em meio à preocupação sobre o aumento dos casos de microcefalia, Colômbia, Equador, El Salvador, Jamaica e Porto Rico têm alertado as mulheres a adiarem planos de engravidar até que situação esteja sob controle.
A tensão a respeito do Zika se espalhou muito além das áreas afetadas, chegando à Europa e à América do Norte, onde dezenas de casos foram identificados entre as pessoas que regressavam de férias ou de negócios no exterior.
Vacina e tratamento
Atualmente, não há tratamento para o vírus Zika e a OMS disse que provavelmente levaria mais de um ano para desenvolver uma vacina.
O vírus é transmitido por mosquitos Aedes aegypti, que também espalha a dengue e o vírus Chikungunya. A doença tem sintomas semelhantes aos da gripe, incluindo febre baixa, dores de cabeça, dor nas articulações e erupções cutâneas.
A OMS ressaltou que a forma mais eficaz de prevenção é se livrar de água estagnada, onde mosquitos se reproduzem facilmente, e apostar na proteção individual contra picadas de mosquito, como o uso de repelente e dormir sob mosquiteiros.
O professor David Heymann, presidente do comitê de emergência da OMS, sublinhou que a questão mais grave não é o próprio vírus Zika, que provoca uma doença leve, mas os casos de microcefalia em bebês. “O Zika, sozinho, nunca seria uma emergência de saúde pública de interesse internacional”, explicou. “Não é uma infecção clinicamente grave”. Por essa razão, segundo ele, foi uma decisão muito difícil.
No próximo mês, os laboratórios deverão ter um teste que pode detectar os três vírus transmitidos pelo mosquito Aedes – dengue, Chikungunya e Zika. O teste, no entanto, só será eficaz durante o período inicial de infecção de cinco dias.
Conexão com a microcefalia
Um dos principais impulsionadores da declaração de emergência pela OMS é financiar e lançar estudos para descobrir se e onde há uma associação definitiva com o vírus Zika. “Precisamos de uma resposta internacional coordenada para chegar ao fundo disso”, destacou a diretora-geral do órgão.
“É uma questão muito complicada”, pondera Heymann. “Para descobrir a conexão com o vírus Zika, um grande número de casos de microcefalia têm de ser identificados e avaliados e a exposição da mãe ao vírus Zika tem de ser estabelecida. Mas os EUA estão trabalhando com o Brasil e os estudos terão início nas próximas duas semanas”.
Chen disse ainda que a vigilância deve ser reforçada. Os cientistas envolvidos nos estudos precisarão apresentar relatórios confiáveis de todos os casos de microcefalia, que podem não ser automaticamente relatados aos médicos, especialmente em áreas remotas e mais pobres da América Latina. A declaração da OMS também vai incentivar a investigação e o desenvolvimento de uma vacina contra o vírus e testes diagnósticos confiáveis.
No entanto, o ministro-chefe da Casa Civil, Jacques Wagner, disse acreditar que os pesquisadores precisariam de três a cinco anos para desenvolver uma vacina contra o vírus. [The Guardian]
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