sexta-feira, 22 de junho de 2018

A vida e morte da gorila que aprendeu a falar por meio de sinais

Penny Patterson e a gorila Koko

FOTO: REPRODUÇÃO/THE GORILLA WHO TALKS TO PEOPLE/BBC

 PSICÓLOGA PENNY PATTERSON E A GORILA KOKO Sob a mira de uma câmera, a gorila Koko foi perguntada, em inglês, sobre o que havia acontecido com seu gato chamado Ball. Usando língua de sinais (americana), ela respondeu, em sequência, algo como “gato”, “choro”, “lamento”, “Koko ama”, seguidos de “ausente”, “me visite”. 


O gato em questão havia fugido e morrido anos antes. Nesta terça-feira (19), foi a vez da gorila Koko. Sua morte virou notícia e foi lamentada sobretudo nos Estados Unidos, onde vivia sob a proteção da Gorilla Foundation, uma instituição dedicada à proteção de primatas e ao estudo da capacidade de comunicação entre espécies. Koko era o destaque da fundação. Nascida em um zoológico na Califórnia, em 1971, a gorila (uma ameaçada Gorila-ocidental-das-terras-baixas, original de países do centro-oeste africano) foi adotada ainda muito jovem pela psicóloga Francine “Penny” Patterson. Na época, a pesquisadora adotou a investigação sobre as capacidades de animais de espécies diferentes se comunicarem como tese de pesquisa. 


De objeto acadêmico, Koko se tornou uma peça central na vida de Patterson. Com cinco anos de idade, a gorila foi “adotada” pela cientista, que então passou a dedicar tempo integral ao animal e ao ensino de língua de sinais. “Koko (...) está diariamente realizando atos de inteligência que facilmente coincidem com o que chimpanzés vêm fazendo em laboratórios científicos pelo país há diversos anos”, noticiou o The New York Times em edição de junho de 1975. O jornal se referiu a ela como “a primeira gorila falante”, cujo vocabulário já passava de 170 palavras na língua de sinais após três anos de treinamento. Segundo a fundação responsável pelo animal, Koko chegou ao fim da sua vida entendendo cerca de 2.000 palavras faladas em inglês e usando aproximadamente 1.000, em língua de sinais, para se expressar. Brincando com palavras As capacidades da gorila, de acordo com Penny Patterson, iam além de entender termos e expressar desejos por comida, um abraço ou brincadeiras. Ainda na década de 1970, a pesquisadora dizia ter conversas com a gorila, cujo domínio da língua chegou a um ponto em que o animal brincava com palavras, criava novas e encadeava termos em construções originais e “significativas”. Além disso, Patterson explorou o alcance das habilidades de Koko em se expressar por meio de gestos e sons. 


Neste caso, o treinamento desafiava o fato de a estrutura física desses animais impedi-los de ter um controle vocal como os humanos. Ainda assim, a pesquisadora ensinou a gorila a fazer sons de beijo, de explosão, ou ainda a fingir que estava bebendo algo, tossindo, assoando o nariz ou mesmo a tocar instrumentos de sopro. “A Koko preenche uma lacuna”, disse Marcus Perlman, pesquisador na Gorilla Foundation, em 2015. “Ela mostra o potencial, sob as condições ambientais certas, de primatas desenvolverem algum controle flexível sobre seu trato vocal. Não é tão bom quanto o controle humano, mas certamente é controle.” Fama e controvérsia Ao longo da sua vida, Koko foi capa da revista National Geographic, foi tema de documentário da BBC e apresentada a famosos como os atores Robin Williams – com quem trocou cócegas e risadas –, William Shatner, Leonardo DiCaprio, o músico Peter Gabriel e o apresentador Fred Rogers.  Junto com fama e admiração vieram questionamentos por parte da comunidade científica dedicada ao estudo da capacidade cognitiva de primatas ou da habilidade em fazer uso da linguagem para comunicação – Noam Chomsky, que defendeu ser a linguagem algo exclusivo aos humanos, inspirou o nome de um chimpanzé ‘falante’ chamado Nim Chimpsky. 


Já no início da pesquisa de Patterson, o psicólogo Herbert Terrace – responsável pelos estudos com o chimpanzé na Universidade de Columbia – apontava que o comportamento observado nesses animais era mera imitação dos gestos humanos repetidamente ensinados e não propriamente comunicação. Para ele, a linguagem “ainda se mantém como uma definição importante das espécie humana”. Terrace e Patterson seguiram o debate sobre o assunto por anos. A psicóloga e a sua fundação já foram duramente criticadas e suas conquistas científicas invalidadas também por falta de transparência em relação aos métodos de pesquisa e resultados. Em jogo está a questão sobre se o uso de gestos por Koko pode ser caracterizado como uma forma de linguagem e, portanto, se a gorila realmente “falava”. Para Perlman, da Gorilla Foundation, os gestos podem ser entendidos como uma forma primitiva de linguagem.




 O uso de sinais por Koko somado às suas habilidades vocais podem indicar uma consciência sobre o controle de respiração necessário para uma comunicação mais complexa como a dos humanos. Foi o que disse o pesquisador e psicólogo Joseph Devlin, da University College London, à BBC. “O que é único aos humanos talvez seja que nós somos a única espécie que tem todas as habilidades [para comunicação]”, afirmou. “Mas há evidências crescentes de que muitas das habilidades que formam a linguagem também estão presentes em outras espécies, e isso é muito interessante”, afirmou. Em nota, a Gorilla Foundation disse que “continuará a honrar o legado de Koko” mantendo suas pesquisas e o estudo de língua de sinais para grandes primatas, bem como a proteção desses animais.


FONTE: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/06/22/A-vida-e-morte-da-gorila-que-aprendeu-a-falar-por-meio-de-sinais

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