sexta-feira, 19 de abril de 2013

A Morte do Demônio e o terror da refilmagem


É sempre arriscado refazer filmes cultuados por uma ampla legião de seguidores, mas parece ter dado certo com “A Morte do Demônio”, o remake de 2013 para o clássico dirigido por Sam Raimi em 1981. Muito antes do sucesso com a trilogia “Homem-Aranha”, Raimi havia dirigido este terror que pendia para o trash e abusava das convenções do gênero.
A combinação irreverente deu um novo escopo ao “terrir” – o horror que abraça a comédia em seu exagero – e inspirou duas continuações. A nova versão, supervisionada por Raimi, foi confiada ao uruguaio novato Fede Alvarez, até então só conhecido por curta-metragens. Alvarez também foi responsável pelo novo roteiro, mais centrado no terror e menos irônico que o original – dispensou, inclusive, a colaboração de Diablo Cody (“Juno”), que tinha feito um roteiro com diálogos mais cômicos. O resultado compensou: além de uma surpreendente bilheteria de estreia nos Estados Unidos, o novo “A Morte do Demônio” não foi massacrado pela crítica.
Quando a proposta do remake foi anunciada, os fãs se dividiram – e, na época, Alvarez, que ainda não estava envolvido com o filme, também foi contrário ao projeto. “Eu também sou um fã do original e achava que era uma má ideia refazer o filme, então é estranho que eu esteja aqui hoje falando sobre ele”, brincou o cineasta, durante a entrevista de divulgação. Ele entrou no Radar de Raimi em 2009, quando um de seus curtas-metragens chamou atenção em Hollywood. O diretor do terror original foi quem lhe propôs o projeto.
“Eu não achava que aquela história seria relevante para um novo público se fosse simplesmente recontada”, disse Alvarez, sobre a proposta que recebeu. “E eu acho que Sam ficou feliz porque eu queria criar os meus próprios personagens e a minha própria história usando a mesma mitologia”, acrescentou o diretor, revelando que considera o filme uma continuação e não um remake propriamente dito. Ele descartou, por exemplo, o personagem mais emblemático do original – Ash, interpretado por Bruce Campbell -, transferindo a ênfase para uma personagem feminina, vivida por Jane Levy (série “Suburgatory”).
A premissa, porém, ainda é muito similar: cinco jovens estão isolados em uma cabana, onde encontram o Livro dos Mortos e desencadeiam acontecimentos macabros após a leitura de algumas passagens. “Eu conheço esse universo e conheço o meu público, então eu sabia fazer esse filme em vários níveis diferentes”, afirmou Alvarez. Com o mesmo ponto de partida, ele encontrou soluções diferentes das propostas por Raimi em 1981 – e com a benção do criador.
“Sam queria que eu fizesse o meu próprio filme, e me deu toda a liberdade para que eu o fizesse, porque esse foi exatamente o espírito do filme original”, explicou Alvarez. “Eu sabia que não estava reescrevendo nada. Eu não estava fazendo um filme para substituir o outro. Eu só queria criar uma nova história”, acrescentou.
Por outro lado, Alvarez não queria ignorar a trilogia original por completo, e incluiu algumas referências e homenagens no novo trabalho, que os fãs devem reconhecer de imediato. “Essas coisas eram importantes para mim. Algumas dessas referências estavam na minha cabeça, e eu sentia que cada nova ideia deveria ser abençoada com algum elemento do filme original”, contou o cineasta, que rodou em circunstâncias muito similares ao clássico de 1981.
A maior semelhança entre eles talvez seja o orçamento apertadíssimo. A escassez de recursos levou a soluções criativas e manteve o novo filme fiel ao seu material de origem. A produção teve de se preocupar, por exemplo, com a reciclagem de grandes quantidades de sangue falso e maquiagem. “Me lembro que, numa das cenas, uma personagem tem o joelho decepado, mas filmamos um ombro porque não tínhamos próteses para fazer como pretendíamos”, contou o cineasta.
A sequência em questão é apenas uma das muitas cenas que devem revirar o estômago do espectador desavisado. Afinal, a nova versão é ainda mais sangrenta que a anterior. “Muitas coisas ali são bem pesadas”, assumiu Alvarez. “É incrível como as pessoas pulam na poltrona e reagem cobrindo os olhos. Pessoalmente, eu amo essa violência, porque ela nos expõe a muita coisa”, disse, citando o clássico “Laranja Mecânica” (1971), de Stanley Kubrick, como um exemplo devastador de arte criada pela violência.
Algumas das passagens mais carregadas pareciam ousadas demais para sair do papel. O cineasta revelou, inclusive, que o roteiro afastou alguns nomes de peso na indústria que estavam sendo considerados para os papeis. “Muitas estrelas recusaram porque acharam que era violento e brutal demais”, revelou Alvarez, que acabou fechando com um elenco jovem e menos conhecido. “No final, foi uma coisa boa, porque nos deu mais liberdade e nos permitiu escalar os atores certos para os papeis”.
Com a equipe definida, o trabalho pesado começou. “Parte do papel de um diretor é convencer todo mundo que o que você está pensando em fazer é a decisão certa”, disse Alvarez. Entre as suas decisões, esteve a opção de filmar, literalmente, no coração de uma floresta, tal como os personagens se encontram, e inserir o elenco em um processo exaustivo de imersão. “Eu queria expor os atores a coisas reais o tempo todo. Nem tudo o que se vê na tela é atuação. Às vezes, eu os surpreendia com sustos de verdade, e às vezes eu os mantinha no escuro sobre as cenas que iríamos rodar. Eu os estava desafiando a ter uma experiência mais real”, contou.
O resultado desse exercício é sentido pelas performances lancinantes. A protagonista Jane Levy descreveu a experiência como “o pior período da minha vida”. “Eu passava o tempo todo desconfortável sob aquela maquiagem. Minha aparência era nojenta. Eu estava congelando, cansada, triste e só pensava em ir para casa”, afirmou a atriz. Bruce Campbell, que estrelou o original e assina o remake como produtor, vê essa via sacra como positiva. “É um sinal de que a personagem dela foi até o inferno, e o público adora ver isso”, disse Campbell.
Mesmo traumatizada, Levy não abriria mão da sua participação. A atriz, que não tinha assistido ao “A Morte do Demônio” original até ser escalada para a nova versão, teve a chance de desafiar todos os seus limites. “Bruce estava na sala quando eu fiz o teste e ele perguntou se eu sabia como era ser enterrada viva ou ter uma gosma presa na minha garganta para simular o vômito. Eu disse que não tinha problemas e que queria fazer, mas nada poderia ter me preparado para o que estava por vir”, declarou Levy, arrepiando-se.
No processo de preparação, ela assistiu não só à trilogia “A Morte do Demônio”, mas também a outros clássicos do gênero. Agora, está em posição de desbancar Jamie Lee Curtis (“Halloween”) pelo título de nova Rainha do Grito. “Eu grito muito nesse filme, e devo dizer que tenho um grito muito bom. No final do dia, os caras do som tinham que tirar os fones e enviar algodão no ouvido”, disse a atriz, orgulhosa.
Levy também comentou que a experiência lhe fez desenvolver um respeito imenso pelas atrizes e diretores que trabalham com o gênero. “O terror me fascina e me interessa, mas não sei se eu faria outro filme destes”, declarou.
E quanto ao diretor? Alvarez confirmou que “A Morte do Demônio 2″ já está encomendado, mas não revelou o seu grau de participação. “Já estamos escrevendo, mas se eu vou dirigir ou não, isso ainda temos que ver. Depende de como a história irá se desenrolar”, disse o cineasta. Ele reafirmou, no entanto, o desejo de continuar surpreendendo o público. “Todos os filmes da saga são muito diferentes dos anteriores, e nós queremos continuar chocando as pessoas”. Choque, realmente, é o que não falta na franquia.

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