Antes de você começar a ler estas mal-traçadas linhas, saiba que este é o relato do que assisti na primeira etapa do Rock in Rio 2011 estando no melhor lugar do mundo: o enorme e espaçoso sofá da minha sala.
Sim, porque hoje eu, já um 'tiozinho'. E acredite no que eu vou lhe contar: "festivais de música" são verdadeiras 'roubadas', por melhor que sejam as atrações musicais presentes.
Talvez você ainda seja jovem e tenha muitos hormônios dentro de seu corpinho, o que facilita a "pagação de mico" que é suportar ficar espremido no meio de uma multidão pouco civilizada, no meio de um descampado, depois de passar horas preso em um engarrafamento para chegar ao local, desembolsar uma pequena fortuna para estacionar seu carro, enfrentar 84 filas para fazer qualquer coisa — beber cerveja em temperaturas vulcânicas, comer coisas não identificáveis, mijar em cabines de plástico fétidas, entre outras "diversões". Se este for o seu caso, beleza. Desculpe, não é o meu.
Por isto, o que você vai ler a seguir são as minhas impressões daquilo que vi e ouvi pela TV, o que é uma vantagem, já que pude prestar atenção a muitas coisas que talvez passassem despercebidas caso eu estivesse mais preocupado com a possibilidade de ter a minha carteira surrupiada no meio da 'muvuca' de uma platéia cheia de gente suada. Bem, vamos lá...
Sexta, 23/9
A abertura do evento não poderia ter sido mais constrangedora. Adoraria saber quem foi o "gênio isssshhhhhhppppéeerto " que achou que colocar um Milton Nascimento completamente desafinado para cantar "Love of My Life", do Queen, seria uma "grande sacada" para homenagear o Freddie Mercury e o passado do festival. Minha Nossa Senhora do Pau Arcado! Cantando como se tivesse engolido um vaso de xaxim e com uma pronúncia digna de um curso de Inglês picareta, Milton manchou a sua brilhante carreira — pelo menos aquela dos anos 70, quando gravou discos sensacionais — com uma interpretação canhestra. Até mesmo o Stevie Wonder taparia os olhos e ouvidos para não presenciar isto...
A seguir veio a união entre os Paralamas do Sucesso e os Titãs, ao lado da maravilhosaOrquestra Sinfônica Brasileira. Nenhuma surpresa. Às vezes soando embolado por conta de arranjos pouco enxutos — que chegaram até a encobrir totalmente o som da orquestra -, o showtranscorreu com um desfile de hits óbvios das duas bandas, com vocais bastante irregulares, principalmente por parte de Herbert Viana — bem, vamos dar um desconto a ele, certo? Por incrível que pareça, Maria Gadú até que se saiu bem cantando "Lourinha Bombril" em um tom bem alto.
Como mulher, ela é espetacular: linda e muito gostosa. Agora, como artista, Claudia Leitte fez uma apresentação que é bem o retrato de sua carreira em cima do palco: uma aula de aeróbica ao ar livre em que desafina horrores em cima de canções que têm tanta percussão que parece que estamos ouvindo a mesma canção por horas. Sem contar os 485 bailarinos que só estão ali para desviar a atenção, para que ninguém perceba o quanto as canções são realmente terríveis — melhor seria se Claudia repetisse o involuntariamente hilário vôo descontrolado por cima do palco. Nos momentos mais... ahn... "intimistas", como em "Pensando em Você", sua deficiência como cantora ficou ainda mais evidente. Quando emendou a pavorosa "Beijar na Boca" com "Satisfaction", dos Rolling Stones, Cláudia apenas evidenciou o seu desejo de ser aceita por diferentes públicos por meio de uma baianidade de TV, plástica e fajuta. E isto é algo que jamais irá acontecer. Acredite em mim, babe...
Tenho que tirar o chapéu para a Katy Perry pelo fato de ela ter abandonado a maioria dos playbacksque costuma usar em suas apresentações no exterior. Isto deixou ainda mais evidente o quanto ela canta mal, mas MUITO mal. Para piorar ainda mais as coisas, a cenografia e o próprio conceito infantilizado do show deixou tudo com cara de Criança Esperança. Juro por Deus: achei que a qualquer momento o Renato Aragão e a Xuxa entrariam no palco para pedir doações por telefone. Bem, ela chamou um zé-ruela da platéia para pagar mico em "I Kissed a Girl", o que deu na mesma, né? A única coisa positiva foi a banda de apoio, que segurou bem a onda. De resto, foi uma chatice atroz, já que as músicas, além de horríveis, ainda receberam os gritos de Perry, que espantariam até mesmo o mais raivoso dos King Kongs...
O show de Rihanna, que começou com um indesculpável atraso de quase duas horas, teve apenas uma coisa boa: a banda de apoio, cujo destaque foi o guitarrista Nuno Bettencourt — sim, aquele mesmo do Extreme, que estava lá para garantir uns trocados no fim do mês. Fora isso, o que se viu foi uma cantora muito gostosinha e linda, mas bem fraquinha na hora em que abria a boca para cantar de verdade — é, o lip synching estava muito bem sincronizado e ensaiado. E as canções são alguns dos piores arremedos desta porcaria de r&b que infesta os Estados Unidos nos dias de hoje. Para não dizer que tudo foi descartável, ela mandou bem no único momento em que todo mundo ali cantou e tocou pra valer, que foi na sensacional "Shut Up and Drive". Agora, ouvir porcarias como "Don't Stop the Music", "California King Bed" e "Umbrella" é de provocar aneurismas cerebrais em uma manada de rinocerontes...
Pode falar o que quiser, mas Elton John ainda sabe fazer um show do jeito que tem que ser. Ainda que não tenha sido diferente das apresentações que fez recentemente no Brasil, o que ele tocou no festival fez jus a sua fama: um caminhão de hits maravilhosos, a surpreendente inclusão de uma canção do disco The Union, "Hey Ahab", que gravou em parceria com Leon Russel -, e uma execução perto do soberbo. Para melhorar ainda mais, ele estava muito bem humorado, distribuindo sorrisos tanto para a sua ótima banda de apoio, que conta com dois integrantes de seu ótimo grupo dos anos 70 - o baterista Nigel Olsson e o guitarrista Davey Johnstone - durante curtas improvisações em "Rocket Man", como para o momento em que um sósia subiu ao palco e tentou lhe entregar um bilhete. Show de e para gente grande em todos os sentidos.
24/09 — sábado
Ao ver o show do NX Zero, constatei que: a) os caras melhoraram muito como instrumentistas; b) as músicas continuam muito ruins, mesmo com o peso adicional que foi colocado em cada uma delas; c) os caras estão visivelmente preocupados em deixar de ser uma "banda de fã histérica", algo sinalizado até mesmo pela participação do bom rapper Emicida em "Só Rezo"; d) o vocalista Di Ferrero precisa parar de cantar como se estivesse chorando; e) vai ser difícil o grupo deixar de se transformar em uma espécie de "Linkin Park brazuca", algo igualmente ruim para eles e para nós, claro, que vamos ter que agüentar mais chororô pseudoadulto.
O show do Stone Sour foi aquilo que se esperava, com exceção da presença do Mike Portnoy na bateria, que substituiu temporariamente o titular das baquetas, o bom Roy Mayorga. O som da banda paralela do vocalista do Slipknot, Corey Taylor, continuou com aquela manjada mistura de Nickelback com nu metal, mais manjado que prato-feito. Foi outra prova de que bons músicos não necessariamente produzem boas canções.
O Capital Inicial fez o de sempre: tocou um monte de músicas que a molecada curte em maiores ou menores doses de devoção, com Dinho utilizando a sua tradicional "vocalização igual para todas as músicas", com aquele timbre que ninguém mais agüenta ouvir e que é o paraíso para os detratores.
Tenho que confessar que apesar de adorar as canções do Snow Patrol, a apresentação dos caras foi decepcionante, tanto pela equivocada escolha do repertório como pela desanimada presença de palco, mais a própria execução em si. Para piorar, a platéia, ansiosa pelo show seguinte, contribuiu ainda mais para o fracasso do grupo escocês.
O Red Hot Chili Peppers começou sua apresentação de maneira arriscada, com uma música nova, "Monarch of Roses", mas mostrando uma bem vinda animação se comparada aos últimos tempos com o depressivo John Frusciante na guitarra. Aliás, o substituto deste, Josh Klinghoffer, se mostrou um guitarrista medíocre, sem mostrar um pingo de criatividade, identidade e mesmo consistência em seu som — quer apostar que esta cara não vai durar muito na banda? Muito diferente disto foi o que apresentou a fantástica cozinha rítmica formada pelo baixista Flea e pelo batera Chad Smith. Ambos tocam como se tivessem começado a fazer jams desde seus tempos de berçário. Já o vocalista Anthony Kiedis cantou mal a maior parte do tempo, algo que vem se repetindo há muito tempo, mostrando apenas em alguns momentos o grande cantor que ele um dia já foi.
25/09 — domingo
Bem, eu avisei que a agressividade de araque do Glória só iria entusiasmar adolescente debilóide que pensa que heavy metal de verdade quem faz é o Avenged Sevenfold, né? Pois foi exatamente isto o que aconteceu. De nada adiantou os caras aumentarem muito o peso das guitarras, colocar um garoto fenomenal na bateria — Elói Casagrande, preste atenção a este nome — e tentarem mostrar que são do "movimento" fazendo cover do Pantera. As músicas continuam horríveis, com letras patéticas e recheadas com poses de malvados, gritos e palavrões tão gratuitos quanto falsos. O que estes caras estavam fazendo no palco principal, enquanto o Sepultura estava em um palco secundário, ainda é um mistério para mim...
A seguir veio o que para mim foi uma das grandes surpresas até agora, que foi o show do Coheed and Cambria. Espertamente, os caras alteraram o repertório e escolherem tocar suas canções mais pesadas e mais simples, soando como se o pessoal do Mars Volta fosse fã do Rush. O resultado foi muito bom: canções mais enxutas, menos progressivas e tocadas com extrema habilidade, conduzidas pelo carismático — e bom — guitarrista/vocalista Claudio Sanchez. Teve até "The Trooper", do Iron Maiden, tocada com a devida exatidão e reverência.
Com o Motörhead não tem erro: o show foi ótimo, até mesmo quando o baixo do Lemmy deu algumas sumidas ao longo da apresentação — depois da apresentação, um câmera da TV flagrou o Lemmy tirando satisfações com o técnico de som até o momento em que foi impedido de continuar registrando a cena pelo próprio guitarrista Phil Campbell. De resto, foi a pauleira maravilhosa de sempre, com o Mikkey Dee justificando a opinião do próprio Lemmy, que diz que ele é "o melhor baterista do mundo".
Eu já sabia que a apresentação do Slipknot seria bacana, mas o que vi superou a minha expectativa. Os caras mandaram muito bem e escolheram um repertório perfeito para a ocasião, que aumentou ainda mais o impacto de seu conceito visual — que é muito bem bolado, diga-se de passagem — dentro daquilo que acontece no palco. Além disto, tocaram muito bem, notadamente o ótimo guitarrista Mick Thomson, o "Seven", e o sensacional batera Joey Jordison, que chegou a pegar um truque emprestado do Tommy Lee, do Mötley Crüe, e botou a sua bateria para girar na vertical enquanto tocava. A interação da banda com a platéia é impressionante, com direito a "mosh" de integrante no meio do público e mobilização para "pulo coletivo". O pandemônio — no bom sentido, claro — foi generalizado. Muito bom!
O que é possível se escrever de inédito a respeito de um show do Metallica? Pouco importa que Lars Ulrich seja um dos bateras mais sem noção de andamento da história do heavy metal e que Kirk Hammett já esteve em melhor forma na hora de elaborar solos consistentes — embora tenha dado uma dentro ao citar "Samba de uma Nota Só" em um de seus solos. Eram tantas canções sensacionais, uma atrás da outra — a emenda de "One" com "Master of Puppets" é algo indescritível -, que até mesmo músicas do álbum Death Magnetic logo serão alçadas a condição de "clássicas", algo que já acontece com "Fuel", do injustamente criticado Reload. Mais uma vez, os caras fizeram um showmemorável.
Dos trechos as atrações do Palco Sunset que consegui assistir, um grande destaque precisa ser dado ao Sepultura e sua parceria com o surpreendente Tambours Du Bronx, e também ao bom showfeito pelo Korzus. Por outro lado, senti uma imensa "vergonha alheia" ao ver o Angra em cima do palco, tentando driblar a desastrosa atuação de seu vocalista, Edu Falaschi. Vê-lo e ouvi-lo assassinando o já horrível tema do musical O Fantasma da Ópera ao lado da bela e igualmente desafinada "soprano de araque" Tarja Turunen foi algo que, infelizmente, vai demorar a ser esquecido. Meu Jesus na cruz!
Para terminar, algumas considerações…
A gritaria contra a escalação do evento é injustificada. Ou todo mundo esqueceu que as edições passadas tiveram coisas do naipe de New Kids on the Block, Roupa Nova, Ivan Lins, Elba Ramalho, Daniela Mercury, Sandy & Junior, 'N Sync e Carlinhos Brown? Qual é o estranhamento?
Agora, é inacreditável que uma emissora do porte da Rede Globo tenha colocado alguém tão despreparado como o Zeca Camargo, que não parou de falar um monte de asneiras e, pior, passou informações erradas para as pessoas. Desde quando esta foi a primeira vez que o Motörhead veio ao Brasil? E desde quando isto aconteceu porque a banda compôs uma música chamada "Going to Brazil"? Como é que é???
Outra coisa: desde quando dois manés como Bruno de Luca e André Marques sabem alguma coisa de música? Quem botou as lindas Didi Wagner e Luisa Micheletti para fazerem papel ridículo, como se fossem um "Beavis & Butthead de saias e politicamente correto", nos bastidores do evento? Isto sem contar as entrevistas com os artistas globais, todos desmiolados e completamente deslocados dentro do evento — teve uma atriz/modelo/manequim/passista de escola de samba, cujo nome me foge à memória, que disse que tinha ido assistir ao Sepultura porque acha as "músicas muito gostosas". Hein? Como é que é????
É o fim da picada...
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