O que dizer de um país que não consegue conter o ímpeto violento de 30 homens selvagens, que estupraram coletivamente uma jovem de 16 anos? O que dizer desse mesmo estado e país que, sim, deseja realizar os Jogos Olímpicos? A imagem do Cristo Redentor e seu simbolismo de braços abertos para a humanidade nunca foi tão desacreditada como nesta semana. Em vez de amor, o Rio olímpico tornou-se a capital do ódio e da agressão torpe.
O episódio ocorrido no fim de semana passado, no morro São José Operário, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio, traz à tona as misérias da segurança jurídica, pública e social do sistema. Sem resultados práticos para a barbárie resta o desabafo da adolescente estuprada. Nas redes sociais, ela disse que o que mais dói não é o útero. Mas a alma: “Todas podemos um dia passar por isso. Não, não dói o útero e sim a alma por existirem pessoas cruéis sendo impunes”.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro divulgou a imagem de alguns suspeitos da prática de estupro coletivo. Mas ainda não conseguiu prender nenhum deles. Existe o temor de que a detenção dos suspeitos possa provocar comoção social e produzir mais violência: caso do linchamento dos envolvidos e suspeitos.
Qualquer informação sobre os envolvidos no crime podem acionar a Polícia Civil através da Central de Atendimento ao Cidadão (CAC) pelos telefones (21) 2334-8823, (21) 2334-8835, pelo chat online ou pelo Disque Denúncia 2253-1177.
Ontem, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, afirmou que as Polícias Militar e Civil “não vão descansar até identificar e prender” todos os envolvidos no estupro coletivo.
O secretário destacou duas delegacias para investigar o crime. “Esse episódio mostra como operam as punições das facções criminosas, que ainda tentam impor o silêncio às vítimas e testemunhas. Não vão conseguir. Não vamos descansar até identificar e prender todos”, disse Beltrame no Twitter da secretaria.
Conforme a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro, quatro suspeitos já foram identificados. O homem que manteve namoro com a adolescente e o que aparecem no vídeo ao lado da garota – a imagem que provocou revolta e comoção social – já estão na lista da polícia.
Beltrame diz que a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) e a Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV) trabalham de forma integrada na investigação do crime.
De acordo com o Ministério Público do Rio (MPRJ), a Ouvidoria da instituição recebeu cerca de 800 denúncias sobre o paradeiro dos estupradores. O MP também ajuda nas investigações
SUSPEITOS
Dentre os suspeitos de praticarem o ato, está o foragido Lucas Perdomo Duarte Santos, 20. O detalhe é que ele é jogador do Boavista, time da primeira divisão do Campeonato Carioca.
Ele é quem teria mantido um relacionamento com a adolescente e provocado a barbárie. De acordo com o jornal Extra, a equipe está surpresa com o episódio: o gestor do clube, João Paulo Magalhães, diz que “ninguém podia esperar isso dele”. Conhecido no time por Luquinhas, ele não tem apoio no clube, caso esteja envolvido: “Queremos a condenação com a penalidade máxima”.
Em entrevista coletiva, os delegados que investigam o crime informaram que aguardam o resultado do exame de corpo de delito para a confirmação do estupro e posterior prisão preventiva dos suspeitos. A Polícia Civil age com cautela. O delegado Fernando Veloso afirma que não trabalha com o “ouvi dizer”, mas com a investigação técnica: “Não podemos dizer que participaram do fato 33, 36 ou 40 pessoas. Essas questões vão evoluir a cada momento. Quando as pessoas forem capturadas e quando confrontarmos seus depoimentos. Da mesma forma, não se pode dizer que as pessoas estavam todas armadas ou não. A policia tem que ter alguns elementos para a investigação avançar”.
O QUE ACONTECEU
A adolescente relatou que foi violentada por 33 homens. A história teria sido comprovada por meio de imagens: dois homens exibem a jovem numa rede social. Um deles diz na filmagem: “Essa aqui, mais de 30 engravidou. Entendeu ou não entendeu?”.
Outra cena mostra o órgão genital da adolescente sagrando. “Olha como que tá (sic). Sangrando. Olha onde o trem passou. Onde o trem bala passou de marreta”.
A adolescente relatou que foi visitar o namorado em uma casa no alto da comunidade. O fato provocou a sociedade quando um dos envolvidos teria publicado no Twitter as imagens da menina desacordada com órgãos genitais expostos.
O paraíso dos Jogos tornou-se notícia internacional e conseguiu reunir adversários como a presidente afastada Dilma Rousseff e o presidente interino Michel Temer no mesmo lado. Eles se solidarizaram com a adolescente.
A jovem começou a sofrer outra espécie de violência – agora moral. No mesmo Twitter, uma conta tenta justificar o crime a partir da postagem de fotos de uma garota segurando armas. A Polícia Civil não confirmou a veracidade das imagens e as informações são nitidamente destinadas a criar uma cortina de fumaça no caso e levantar dúvidas sobre o fato.
“Na cultura do estupro não se espera outra ação: a de culpas as vítimas. É assim sempre. Parece até ensaiado”, diz a psicóloga Lucilene Dantas e militante da ONG goiana “A paz que eu quero”.
No Piauí, a Polícia Civil também investiga caso de estupro coletivo, com a participação de pelo menos cinco pessoas que teriam violentado uma adolescente de 17 anos no município de Bom Jesus na última sexta-feira (20). Até o momento, quatro menores de idade e um rapaz foram presos suspeitos de participação no crime.
De acordo com a corporação, a jovem foi encontrada amarrada em uma obra abandonada. A vítima precisou receber atendimento médico, mas já recebeu alta. Após uma briga com o namorado, ela teria ingerido bebida alcoólica e os suspeitos se aproveitaram do momento para cometer o crime.
A Polícia Civil ainda aguarda o resultado de exames periciais. Em nota divulgada ontem (26), a ONU Mulheres Brasil se solidarizou com a jovem e com a adolescente de 16 anos também vítima de estupro coletivo no Rio de Janeiro. No comunicado, a entidade pede ao Poder Público dos dois estados que seja incorporada a perspectiva de gênero na investigação, no processo e no julgamento dos casos. A organização também pede à sociedade brasileira “tolerância zero” a todas as formas de violência contra as mulheres e a sua banalização.
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