Um ataque ao semanário satírico Charlie Hebdo na quarta-feira deixou 12 pessoas mortas e outras 11 feridas, quatro delas em estado grave.
O atentado aconteceu pela manhã, durante a reunião editorial da revista. Dois atiradores teriam efetuado os disparos, de acordo com o relato de um sobrevivente.
Entre os mortos, estão os principais cartunistas da França.
Confira, abaixo, o perfil das vítimas.
Stéphane Charbonnier, editor
Stéphane Charbonnier, mais conhecido como "Charb", tinha 47 anos. Ele já havia recebido ameaças de morte no passado e vivia sob proteção policial. Um defensor contumaz da abordagem provocativa da revista de esquerda, ele rejeitava se curvar aos críticos.
"Eu não tenho filhos, não tenho mulher, não tenho carro, não tenho dinheiro no banco", disse Charb certa vez ao jornal francês Le Monde. "Talvez seja um pouco arrogante dizer isso, mas eu prefiro morrer de pé a viver de joelhos".
Depois do ataque a bomba à sede da revista em 2011, em decorrência da publicação de charges representando o profeta Maomé, ele disse em entrevista à BBC que o ataque tinha como alvo a liberdade de expressão.
Na ocasião, Charb culpou "os idiotas extremistas" que, em sua avaliação, não representavam a população muçulmana francesa.
A revista, dizia o editor, estava certa em desafiar os islamistas para "tornar a vida deles difícil, tanto quanto a nossa".
Jean Cabut, cartunista
Aos 76 anos, "Cabu" era um dos mais populares cartunistas da França, com uma carreira de mais de seis décadas.
Nascido em Châlons-sur-Marne, Cabu publicou seus desenhos pela primeira vez na década de 50.
Servindo como militar pela França durante a Guerra de Independência da Argélia (1954-1962), ele desenhava charges para a revista das Forças Armadas Bled e outras publicações.
Em 1960, ele tornou-se co-fundador da revista Hara-Kiri, uma precursora daCharlie Hebdo.
Seus personagens populares incluíam o 'Grand Duduche', um estudante loiro e magricelo, que se assemelhava ao próprio cartunista, e 'Mon Beauf', uma caricatura do típico homem francês.
"Algumas vezes a piada pode machucar, mas a piada, o humor e a sátira são nossas únicas armas", dizia ele.
Georges Wolinski, cartunista
Wolinski, mais conhecido como "Wolin" por seus amigos, tinha 80 anos e era considerado um dos maiores nomes do desenho mundial.
O chargista nasceu na Tunísia, filho de pais judeus. Seu pai foi assassinado em 1936, e Georges ─ na época apenas um bebê ─ disse certa vez: "O fantasma do meu me assombrou por toda a vida".
Ele mudou-se para a França em 1940 para estudar arquitetura, mas mais tarde ficou obcecado pelas charges.
Na década de 60, Wolinski começou a contribuir ─ normalmente abordando temas eróticos e políticos ─ para a Hara-Kiki e outras publicações do gênero.
Em 2005, ele recebeu a maior condecoração francesa, a Legião de Honra.
Logo depois de saber que seu pai havia morrido, a filha de Wolinkski, Elsa, escreveu nas redes sociais "Meu pai se foi. Mas não Wolinski" junto com uma foto que retrata a mesa de trabalho de seu pai vazia.
Segundo o jornal francês Le Parisien, o cartunista era um famoso "fanfarrão" e um "bon vivant".
Crítico mordaz das religião, ele disse certa vez que o "paraíso é cheio de idiotas que acreditam que ele existe".
Bernard Verlhac, cartunista
"Tignous", de 57 anos, também contribuía para as revistas Marianne e Fluide Glacial.
Verlhac ganhou o apelido ("Tignous" ou "pestinha"), pelo qual se tornaria conhecido, de sua avó.
Um integrante do grupo de artistas "Cartunistas para a Paz", seu trabalho tornou-se famoso pelos fortes ataques à hipocrisia.
Uma de suas charges mais memoráveis, segundo o jornal francês Le Monde, retratava um homem rico perguntando: "Em uma época em que todos corremos o risco de morrer de gripe aviária, você está obcecado com meu salário exorbitante?"
Na noite antes de sua morte, ele enviou seu último desenho, supostamente uma caricatura do presidente francês, François Hollande, desejando Feliz Ano Novo, à 'Presse Judiciaire', a associação de jornalistas franceses que cobre assuntos ligados à Justiça.
Philippe Honoré, cartunista
Honoré, como o cartunista de 73 anos era conhecido, era um colaborador regular da Charlie Hebdo, e um crítico contumaz da injustiça e do cinismo.
Seus desenhos também apareciam em várias outras publicações da França.
A gentileza e a generosidade do "gigante barbado" eram lendárias entre seus colegas, segundo a revista francesa Paris Match.
Bernard Maris, economista
O economista francês Bernard Maris, de 68 anos, tinha uma coluna semanal naCharlie Hebdo chamada 'Oncle Bernard' ('Tio Bernard').
Ele falava regularmente sobre assuntos econômicos na rádio France Inter e era professor de economia na Universidade de Paris.
Maris também era membro do conselho-geral do Banque de France, o banco central francês.
"Bernard Maris era um homem de grande coração, de grande cultura e de grande tolerância", afirmou Christian Noyer, presidente do banco central francês. "Ele fará muita falta".
Mas Maris também era um homem de esquerda, um devoto de Karl Marx e John Maynard Keynes que criticava o euro e a sociedade de consumo, escreveu o Le Monde. Ele dizia ficar decepcionado sobre o que chamava de "a morte da esquerda" na França.
Elsa Cayat, psicanalista e colunista
A única mulher entre as 12 vítimas, a psicanalista de 54 anos escrevia uma coluna quinzenal na revista, intitulada o 'Divã de Charlie'.
Seus artigos abrangiam desde assuntos como a autoridade parental às raízes do Holocausto, afirmou a revista francesa Madame Figaro.
Psicanalista famosa, ela tinha centenas pacientes, atraindo intelectuais por sua capacidade de analisar e ouvir as questões humanas, afirmou sua tia, Jacqueline Raul-Duval.
Uma de suas pacientes mais longevas, identificada apenas como Valérie, escreveu uma afetuosa homenagem em sua conta no Facebook na qual dizia: "Eu penso no marido de Elsa, em sua filha adolescente, em seu cachorro, nos pacientes que ela deixando sem seu espelho, sua família, seus amigos".
A prima da psicanalista, Sophie Bramly, afirmou que Elsa dizia temer ser morta por ser judia.
Mustapha Ourrad, redator
Nascido na Argélia, Ourrad chegou à França quando tinha 20 anos, e trabalhou por muito tempo para a revista Viva.
Autodidata, ele impressionava colegas com sua vasta cultura e seu conhecimento sobre filosofia, principalmente sobre a obra do filósofo alemão Friedrich Nietzsche.
Amigos diziam estar arrasados pela perda de um homem "tão querido".
Michel Renaud, visitante
Ligado ao festival Carnet de Voyage em sua cidade-natal, Clermont-Ferrand, Renaud estava visitando o escritório com um colega que sobreviveu ao assassinato em massa.
Aqueles que trabalham com ele no festival afirmaram estar "de luto", segundo um comunicado publicado no site do evento.
Frédéric Boisseau, zelador
O zelador de 42 anos estava na recepção quando os atiradores entraram no prédio, escreveu o Le Monde.
Casado, ele era pai de dois filhos.
Em um comunicado, o empregador de Boisseau, Sodexo, descreveu a morte de Boisseau como "uma vida perdida terrivelmente" e de maneira "injusta".
Ahmed Merabet, policial
Chegando à cena do ataque, o policial de 42 anos abriu fogo contra os atiradores, mas foi ferido na troca de disparos, informou o jornal francês Le Figaro.
Deitado na calçada e agonizando, Merabet foi morto com um tiro fatal na cabeça à queima roupa.
Um vídeo amador capturou o momento em que o policial foi assassinado.
Ele era muçulmano ─ o que acabou sendo usado por blogueiros para defender a comunidade islâmicos do que chamaram de atos terroristas.
A hashtag #JeSuisAhmed ("Eu sou Ahmed") circulou nas redes sociais em sua homenagem. "Em sua memória, não permitiremos que pessoas machuquem e insultem a comunidade muçulmana por causa desse ato terrorista. Você é um herói", escreveu um usuário no Twitter.
Merabet havia sido recentemente promovido à Polícia Judiciária. O representante do sindicato da polícia, Rocco Contento, descreveu o policial como "alguém muito discreto e conscienciosa".
Franck Brinsolaro, policial e guarda-costas
O policial Franck Brinsolaro, de 49 anos, havia sido incumbido de proteger Charb depois de ele ter recebido ameaças de morte. Era casado, com dois filhos.
Segundo um colega, o policial não teve nem tempo de reagir, sendo rapidamente morto pelos atiradores.
Em seu discurso de homenagem, o irmão de Brinsolaro, Philippe, que também é policial, falou sobre a importância do trabalho da polícia.
"Nunca devemos nos esquecer do que aconteceu ontem (quarta-feira), independente do que acontecer depois – um policial, quando necessário, porá sua vida em perigo quando a segurança do país estiver em jogo. E hoje eu quero homenagear todos os meus colegas, todos aqueles que acordam todos os dias sabendo que terão um trabalho difícil pela frente".
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