quarta-feira, 2 de maio de 2018

Chicungunha deixa 'rastro' de dor que pode durar meses, diz especialista

Larva do mosquito Aedes Aegypti que, além de dengue, transmite chicungunha e zika - Gabriel de Paiva / Agência O Globo.

RIO - Com quase 4.200 casos suspeitos já notificados em todo o estado, a febre chicungunha tem efeitos a médio e longo prazo que vão além das terríveis dores da fase aguda. Segundo o presidente da Sociedade de Reumatologia do Rio de Janeiro, José Fernando Verztman, somente no Hospital dos Servidores, nos últimos três meses já foram atendidas 100 pessoas que tiveram a doença e ainda se queixam das sequelas: fortes dores articulações. São pacientes que, apesar de terem sido medicados corretamente, sofreram uma recaída ou relatam nunca terem conseguido se livrar da dor. De acordo Verztman, mais de 50% dos pacientes de primeiro atendimento que chegam à unidade com dores articulares, têm suspeita de chicungunha.


No consultório de Verztman, os casos também são uma amostra da extensão do problema: em 3 meses, já foram 80 casos suspeitos (35 confirmados por exame) de homens e mulheres que foram tratados e, mesmo após a fase aguda, continuaram com dores nas mãos, nos pés e até na coluna cervical. Muitos ficaram impossibilitados de trabalhar.
De acordo com a Secretaria estadual de Saúde, no Rio de Janeiro já foram notificados 4.177 casos suspeitos até 30 de maio, dos quais 2.276 foram confirmados. Duas pessoas morreram até agora.

— São pacientes que já foram atendidos nos postos e pronto atendimentos na fase aguda da doença, que dura cerca de 10 dias e vem acompanhada de febre acima de 38,5 graus, dores nas articulações e, às vezes, inchaço. Agora estes pacientes estão enfrentando uma outra fase: quando o paciente continuar a sentir muitas dores, que podem durar mais de um mês e, em alguns casos mais graves, dois anos. No meu consultório, já atendi pacientes que estão há três meses com dores. Estamos observando, durante este período em que estamos aprendendo com a doença, que a chicungunha pode ser gatilho para doenças reumáticas inflamatórias crônicas, como a artrite reumatóide, principalmente em pacientes com mais de 60 anos e que já tenham predisposição genética — diz o especialista, que é médico do setor de reumatologia do Hospital dos Servidores.
Sueli Nascimento, de 58 anos, moradora do Leme, teve chicungunha em março e conta que peregrinou por vários consultórios até descobrir que as dores que teimavam em deixá-la de cama era, na verdade, um rastro da doença. Desde 17 de maio está em tratamento com reumatologista.

— Eu faltava toda hora ao trabalho. Parecia que eu tinha chumbo nas pernas, uma dor intensa, dificuldade de andar. Eu demorei a descobrir que era por causa da chicungunha. Agora estou em tratamento e minha vida está voltando ao normal — conta ela, acrescentando que a irmã e o pai, moradores da Belford Roxo, também tiveram a doença.

Na avaliação de especialistas, passada a fase de epidemia, os profissionais de saúde agora precisam se preparar para atender as sequelas da doença: fortes dores nas articulações que podem ir e voltar, incapacitando a pessoa para o trabalho.
— Em reuniões, membros da Sociedade Brasileira de Reumatologia e da Sociedade de Reumatologia do Rio de Janeiro vem definindo um protocolo de atendimento da doença na parte reumatológica. É tudo muito novo, estamos começando a tratar casos crônicos com medicamentos anti-reumáticos. Quando começaram a surgir os casos no Brasil, recorremos à literatura médica internacional, agora estamos fazendo o nosso protocolo e nossos estudos a partir do que estamos vendo nos atendimentos — explica Verztman.
Carlos Brito, professor da Universidade Federal de Pernambuco e membro do comitê técnico do Ministério da Saúde para arboviroses (vírus transmitidos por artrópodes, como é o caso de mosquitos), alerta para o grande poder de ataque da doença.

— É a pior das arboviroses. É uma doença persistente e intermitente, que o paciente pensa estar curado e bem e, logo depois, a dor volta com a mesma intensidade. Uma dor resistente a analgésicos e uma doença que eu acredito estar relacionada a muitos óbitos aqui em Pernambuco, já que nem sempre os doentes fazem a sorologia — disse.
Segundo Carlos Brito, a estimativa é que, numa epidemia de chicungunha, existe uma probabilidade de 30 a 50% da população adoecer.

— Na dengue, por exemplo, esta faixa de atingidos, não passa de 5%. Além disso, 90 a 95% das pessoas atingidas pelo vírus da chicungunha adoecem, enquanto na dengue temos um grande grupo de assintomáticos: cerca de 30% da população picada pelo mosquito tem dengue — compara.
Ele diz que o grande desafio é treinar e preparar os médicos para atender todos estes pacientes. Brito afirma que a dispersão da febre chicungunha pelo Nordeste tem deixado um rastro de adultos e idosos com dores crônicas graves que vem sobrecarregando os serviços de saúde, que já enfrentam dificuldade de atender a demanda normal.



— No caso do Rio, por exemplo, se formos pensar nas estatísticas, podemos dizer que, numa epidemia, cerca de 2 milhões de pessoas poderiam adoecer. Isso não tem precedente. Como não teríamos reumatologista para tratar todo mundo, criamos um protocolo de atendimento, com indicação do tipo de medicamento e da dosagem a ser ministrada em cada fase da doença, para médicos de várias especialidades sejam preparados em todo o país para atender estes pacientes — diz Carlos Brito, que colaborou na criação de um protocolo de tratamento da febre chicungunha, documento deve ser lançado em breve pelo Ministério da Saúde.

Para o tratamento da doença, ressalta Brito, é preciso ter o diagnóstico correto. Na fase inicial da doença, são indicados apenas analgésicos (pode ser usados os tipos mais opióides). Se as dores persistirem de um a três meses, o médico pode receitar antiinflamatórios.


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