Hylda Cavalcanti, da RBA
A denúncia feita nesta quinta-feira (28) pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Organização das Nações Unidas (ONU) contra o juiz federal Sérgio Moro por abuso de poder continua repercutindo entre juristas e entidades classistas do Judiciário. A adoção da medida encontrou defensores entre advogados e especialistas de direitos humanos, mas também foi objeto de notas da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), que consideraram o gesto uma forma de intimidar a atividade de Moro.
Advogados de Lula repudiaram as críticas das duas entidades e afirmaram que a petição ao Comitê da ONU deveria ser vista como “um meio de defesa das garantias fundamentais, não como motivo de repúdio”. Os advogados do ex-presidente, Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins, afirmam em nota que nenhuma medida prevista em lei – muito menos em um tratado internacional subscrito pelo Brasil (que tem natureza supralegal) – para a defesa das garantias fundamentais pode ser entendida como forma de “constranger o andamento de quaisquer investigações em curso no país”. Disseram ainda que “o poder do Estado não é ilimitado e as medidas legais servem justamente para impedir ações arbitrárias ou ilegais de agentes estatais contra qualquer cidadão”.
Os advogados lembraram que o Brasil incorporou o Pacto dos Direitos Civis e Políticos, adotado pela ONU em 1992, quando assumiu a responsabilidade pela implementação e proteção dos direitos fundamentais ali previstos. E em 2009, aderiu ao protocolo facultativo desse mesmo Pacto (por meio do Decreto Legislativo no. 311) – que permitiu que qualquer cidadão brasileiro vítima de violação das garantais fundamentais possa fazer um comunicado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, nas condições ali previstas.
“O combate à corrupção é fundamental, mas somente será legítimo e haverá resultados efetivos, se for realizado com a observância do devido processo legal e das garantias fundamentais. Violam os direitos fundamentais, sem qualquer sombra de dúvida, a privação da liberdade sem previsão legal, a divulgação de conversas interceptadas e o monitoramento de advogados, para bisbilhotar estratégia defesa, além do fato de o juiz assumir o papel de acusador. Tais condutas – que são os fundamentos centrais do comunicado levados à ONU – afrontam os artigos 9º. 14 e 17 do citado Pacto dos Direitos Civis e Políticos”, ressalta o documento.
“Circo” montado
Também o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, ex-secretário de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso e um dos coordenadores da Comissão Nacional da Verdade no governo Dilma Rousseff, disse que as ações de investigação e divulgação de telefonemas ao ex-presidente são “absurdos”. Segundo Pinheiro, a Lava Jato montou “um circo” em torno do ex-presidente. Ele ainda considerou as ações uma ameaça ao Estado de direito no Brasil à qual “ninguém pode ficar indiferente”.
O professor e jurista Luiz Moreira, que proferiu o parecer na ação de Lula apresentada à ONU, afirmou no documento que embora tenha obtido ampla repercussão no país a afirmação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, de que “no século 21 o protagonismo no Brasil cabe ao Judiciário”, independentemente da validade dessa tese, “é preciso discutir a tarefa que cabe ao Judiciário em um cenário institucional em que há crescente demanda por participação popular nas instâncias decisórias”.
Seu entendimento é de que é necessário avaliar uma possível subordinação do Judiciário aos interesses dos grupos que detêm hegemonia política e a maneira pela qual essas questões interferem na produção de um consenso expresso pela opinião pública, induzido ou formulado pela mídia.
Execração de cidadãos
Moreira disse, ainda, em seu documento, que “não se atribui ao Poder Judiciário ‘fazer justiça’, pois o voluntarismo ou o decisionismo judicial cede lugar a uma atuação institucional em que o ‘fazer justiça’ significa o cumprimento correto dos procedimentos estabelecidos pelo ordenamento jurídico”.
Ele lembrou que no país é cada vez mais freqüente que juízes e membros do Ministério Público emitam opiniões sobre os assuntos mais diversos da vida política nacional. E não raro essas opiniões expressam críticas a poderes, censuras a instituições, contendo até mesmo prognósticos políticos ou simplesmente antecipando opiniões sobre fatos e pessoas submetidas à sua jurisdição.
“Essas condutas não são ortodoxas, contrariam não apenas a tradição judiciária segundo a qual ao juiz compete uma atuação reservada aos feitos judiciais sob seus cuidados como também estimulam o justiçamento dos cidadãos, reforçando a tese de que alguns são vistos como inimigos do sistema de justiça. A fim de se manter eqüidistante das disputas, o magistrado não disputa a hegemonia política, não cria narrativas, não antecipa juízo de culpabilidade e tampouco colabora para que a mídia promova a execração de cidadãos”, afirmou Luiz Moreira.
O jurista também ressaltou que cabe ao Judiciário “circunscrever-se ao cumprimento de seu papel constitucional de garantidor dos direitos fundamentais dos cidadãos, de se distanciar da tentativa de constatar as vontades das maiorias, de ser o porta-voz da opinião pública e de resistir às pressões midiáticas pela condenação sem provas ou absolvição com provas, sendo, por isso, garantista e contra majoritário”.