Em qualquer situação, uma frase como essa do título seria de uma tristeza absoluta, mas a realidade pode ser ainda mais cruel. “Que hotel que nada, eles querem é matar a gente”, disse uma dependente grávida que corria da polícia na quinta, 23 de janeiro, no Centro de São Paulo. Exatamente uma semana depois de a Prefeitura começar uma ação chamada Operação Braços Abertos, no qual oferece moradia, alimentação, trabalho e acompanhamento de saúde aos dependentes de crack. “Até que enfim algo que não é polícia”, declarou então, emocionado, um morador das ruas da Cracolândia.
Só que na quinta, em uma ação surpresa, desastrada e criminosa, a Polícia Civil do governador Geraldo Alckmin prendeu arbitrariamente um traficante – na verdade um “vapor”, traficante de terceiro escalão que vende para pagar a própria droga –, o que gerou revolta no fluxo do local e um consequente confronto. Pessoas foram presas (e a polícia não divulgou seus nomes, as acusações, o que foi “apreendido”, nada), feridas, e todo um importante projeto de assistência social quase foi por água abaixo.
Detalhe 1: os policiais do Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico) estavam à paisana e até as balas e cassetetes girarem no ar ninguém sabia que eram policiais (a Polícia Militar chegou depois). Detalhe 2: no dia seguinte desta ação ficamos sabendo que policiais civis de São Paulo são suspeitos de comandar tráfico na Cracolândia e que a ação pode ter acontecido por não pagamento da taxa de proteção (que os policiais cobram dos traficantes).
Mas, na verdade, esta última notícia não é novidade pra muita gente, pois boa parte do tráfico de drogas só acontece por causa de policiais civis e militares corruptos. Anos atrás, um dos maiores traficantes do mundo, o colombiano Juan Carlos Ramirez Abadía, disse o seguinte: “Para acabar com o tráfico de drogas em São Paulo, basta fechar o Denarc”.
Em nota oficial, a Prefeitura afirmou que “repudia esse tipo de intervenção, que fez uso de balas de borracha e bombas de efeito moral contra uma multidão formada por trabalhadores, agentes públicos de saúde e assistência e pessoas em situação de rua, miséria, exclusão social e grave dependência química” (também foi divulgado um vídeo de uma câmera de monitoramento com todo o desenrolar da ação). O Ministério da Justiça também criticou a ação policial e mesmo assim o governador Geraldo Alckmin, cínico e vazio como sempre, disse que o ocorreu foi “legítimo” e que “eventuais abusos serão apurados” (ninguém será punido, portanto).
Dependentes químicos precisam de ajuda e oportunidades, não de balas e prisão, e a Prefeitura de São Paulo teve a coragem de sair desse círculo vicioso/viciado de repressão. Já está muito claro – até os Estados Unidos estão descobrindo isso – que a tal “guerra contra o tráfico” não resolve nada; só piora, mata, exclui e corrompe.
Apesar da brutalidade policial (e de alguns governantes), os participantes da Operação Braços Abertos não querem desistir dessa oportunidade. Parte da imprensa e da sociedade civil também perceberam que é preciso estimular um jeito mais humano e solidário de se lidar com a questão da dependência química. Afinal, como bem disse o rapper Rocha, na sensacional música “Antônimos e Sinônimos”: “Sinômino de melhorias, tudo pros ares”. E São Paulo, do alto de seus 460 anos, está respirando (e precisa de) novos ares.
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