sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O terceiro turno

Eduardo Tessler
De Porto Alegre (RS)
Fila no posto de saúde para marcar uma consulta, emergências lotadas, não há leitos disponíveis nos hospitais públicos e há gente morrendo por falta de atendimento. Esse é o raio-x da saúde pública nas grandes capitais.
A mais recente vítima é a adolescente Luana de Matos, 17 anos, vítima de uma bala perdida (briga de gangues do tráfico de drogas, no Rio Grande do Sul). Luana chegou à emergência do Hospital Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre, na madrugada de terça-feira, dia 06, quase 20 dias depois de ser baleada no fígado e no pulmão. O primeiro atendimento foi em sua própria cidade, Viamão - região metropolitana de Porto Alegre. Pela gravidade do caso os médicos recomendaram a internação em um centro especializado na Capital. Só que a ala do SUS do hospital estava lotada.
A família de Luana conseguiu na Justiça - depois de muita burocracia - o direito de ser atendida no hospital público, que só tinha vagas na ala de convênios e não queria receber a menina. A demora no atendimento pode ter provocado a morte cerebral de Luana.
Por que os leitos e a emergência dos hospitais públicos estão sempre abarrotados de gente? Porque as pessoas estão esperando cirurgias. E por que não se operam todas, liberando assim os leitos? Porque médicos e equipes médicas só trabalham nos turnos regulares - manhã e tarde. Das 18h até 06h da manhã as salas de cirurgia dos hospitais públicos brasileiros só atendem emergências, pelas equipes de plantão noturno. O bloco cirúrgico fica com diversas salas vazias.
E por que não se aproveita o turno da noite para desafogar a espera por cirurgias? Bem, aí seria preciso um pouco de boa vontade da classe médica, que não costuma abrir mão da rotina de dormir à noite. Mas se os médicos desses hospitais são funcionários públicos, por que não obrigá-los a cumprir uma determinação como essa para salvar a eficiência do atendimento? É que ninguém quer brigar com os médicos e correr o risco de deixar tudo ainda pior.
Luana já não poderá mais se divertir, como tantas adolescentes de sua idade. Outras Luanas terão, certamente, o mesmo destino dessa estudante gaúcha que passou pela infelicidade de estar na trajetória de uma bala. Filas e mais filas em frente a hospitais públicos serão vistas, sempre em busca de uma vaga para cirurgia.
E na madrugada, as salas de cirurgia desertas.
Eduardo Tessler é jornalista e consultor de empresas de comunicação. Edita o blog Mídia Mundo.

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